quinta-feira, dezembro 21, 2006




enquanto esperas
pelas tonalidades do entardecer
é deveras confuso perceber
o silêncio absterso do sol
mergulhando aos poucos no rio
(teu derradeiro fio de esperança)
a marianna, do blog
fez a foto.

sexta-feira, dezembro 15, 2006


recusei a fé dos homens
descobri a insensatez dos anjos
vivi meu inferno e não preciso do teu

escarro felicidade em nome da indiferença
permaneço quieto quando nada mais faz sentido
escaparei inteiro aos presságios da razão

minhas memórias têm olhos vazados
minh’alma é morada do corpo
sede de rio desaguando nascedouro do sol

quinta-feira, dezembro 07, 2006


quando dezembro chegar
com as vestes amarrotadas
tendo às mãos um amontoado
de esperanças desfeitas
para anunciar o novo ano
tão decadente e mentiroso
como todos os anos-novos
que por aqui antes nos habitaram
o que direi de mim?
o que direi de ti?

quinta-feira, novembro 30, 2006


exposto,
o ventre da poesia
agonizava luzes.

sábado, novembro 25, 2006

qual prece que deus algum escuta,
minha lucidez preserva
o desespero
dos entardeceres de outono

domingo, novembro 19, 2006


se escrevo
é pelo silêncio
que me devora
amanhãs

domingo, novembro 12, 2006

no céu deserto
pela fé mesquinha dos homens
andorinhas escapam
INCANDESCENTES
mergulhando na dormência do sol

domingo, novembro 05, 2006


pra vássia
rezo
que é pra espantar
o medo
a morte
que na gente foi inventada:
insone,
vejo anjos onde não existe
futuro.

domingo, outubro 29, 2006


bendito seja
pelas tuas mãos caridosas
pelos teus filhos abençoados
pela fé que de ti emana
pelas promessas que alimentas
pela benevolência daqueles que te cercam


benedictus qui venit
sanctus, sanctus, sanctus
dominus deus



tua luz esteve a guiar-me?
teu perdão me quis ajoelhado?
era a tua voz martelando meus pesadelos?
quando adoeci você esteve ao meu lado?


gloria in excelsis deo
gloria in excelsis deo
gloria in excelsis deo




a casa está vazia
as roupas foram deixadas para trás
carcomidas as verdades restou o tempo
passageiro febril coberto de vermes
o frio a esperar o teu nome


pleni sunt coeli et terra
gloria tua


pai,
antes que amanheça
tropeço no meu acaso
desajunto meus acertos
confesso meus demônios
e cuspo no teu rosto
selando meu fim




credo in unun deum
patrem omnipotentem

sexta-feira, outubro 27, 2006


a cada dia passado
adiantávamos o fim
ou não éramos
jovens demais
às marcas do tempo
em nossa pele
buscando refúgio e ilusão?

segunda-feira, outubro 23, 2006


deus
suas entranhas escondem
um louco enfezado
arrastando pesados grilhões
trancafiando anjos insones
costurando em nossas bocas
preces encardidas
para todo o sempre
maldito seja
amém

sexta-feira, outubro 20, 2006


* DOR ESQUADRINHADA
(EM TRÊS LÂMINAS)

LÂMINA UM

viver
sem trazer chuva
arco-íris
abelhas
sol e
árvores
tocando o entardecer
a mim parecia impossível
- seria como sonhar em voz alta
não voar com os passarinhos do quintal
acordar sem espreguiçar
ou calar na garganta as cores
ilustradoras do eu-menino -

LÂMINA DOIS

assim era a infância
no meu mundo secreto
riscado em giz de cera
que me era infinito
feito de cirandas
de magias e de mistérios
como estrelas engolindo o mar
e parindo um céu novo a cada dia
(BRETON)

LÂMINA TRÊS
mas chegou o amanhã
e tinha gosto de nada
deixando em nossas mãos
um destino rabugento
vigilante de memórias
empoeiradas e distantes
caladas e baldias
para que a vida seguisse seu rumo
(eles disseram)
para que o homem seguisse sem vida
(eles sabiam)
feito bicho acuado
num canto de quarto
fingindo poesia


*do livro artesanal "infância(rabiscos em tons de silêncio)",
com 22 poesias
escritas pra menina que eu amo, numa única madrugada.

terça-feira, outubro 17, 2006


ausente
neste outubro de mim mesmo
finjo o cinza-eclipse
visto pela última vez
trancafiado numa estrela
daquele céu acolá

quinta-feira, outubro 12, 2006


chega o poeta, de pé
já não se nutre das memórias
e percorre com lucidez
os vestígios de si mesmo
milimetricamente sufocados
(a dor ficou enterrada no tempo)

entregue ao fingir, árido
dispersou sem dó as cantigas
que um dia sua mãe lhe ensinara
trancando-se nas cores vazias
daquela envelhecida caixa de lápis
(a vida ficou de todo alijada)

refeito em disfarces, são
regressou à primavera
alimentado apenas pelos restos
dum hoje que sobrevive em seus ossos
covarde, frio e limpo demais
(o amor soube-se exemplarmente amputado)

sexta-feira, outubro 06, 2006



pra ti,
antes que a vida
nos interrompa...


(porque eu te odeio, mesmo não te amar sendo-me impossível;
porque a certeza tua de que a mim sobreviverás mastiga meus ossos
e cospe a fragilidade de estar vivo direto no meu rosto;
porque continuarás sorrindo quando eu não mais estiver aqui;
porque até o último instante que me restar eu serei teu,
mesmo que você já nem mais saiba da cor dos meus olhos
ou da fúria de deus, que um dia eu roubei pra que nós pudéssemos sonhar
)





nesta insônia que não termina, fujo do amor que fizera amputado
(estou num quarto vazio, debruçado sobre as lembranças que pude alcançar)

a ausência tua cutuca a insegurança de mim faminta
(você disse que jamais seria mulher de um homem só – lasciva)

sóbrio e incansável, examino-me nos traços teus que nos meus olhos ficaram
(encontro um esboço de gente ridiculamente medroso, a choramingar – lasso)

ecoa pelas entranhas a tua voz sussurrando que seríamos intensos e breves
(soca-me o rosto o que é derradeiro: você nunca mentiu; eu é que não quis acreditar)

sexta-feira, setembro 29, 2006


anjos possessos
consagraram o amém
sob um horizonte feito de cinzas
aos meus olhos desabando

– respirei da primavera
a primeira fagulha
recortando meu destino
diante da relva –


(sonho parido na raiz da aurora)

sábado, setembro 23, 2006


alcanço mais um ano
esfarelo a esperança
impedindo-me de alcançar
o rastro do poente
as sobras de rio
[hoje, sou um rabisco no caderno de desenhos
que nas mãos de menino
outrora fiz nanquim]

sepultadas as cores
poesia transparece medo
diante da morte fielmente postada ao nosso lado
sabedora de que deus nem sempre está
disposto a ocupar-se de nós
[hoje, inicio um ciclo há muito planejado
pra nos escombros do homem
imperar a indiferença]

sexta-feira, setembro 22, 2006

escutas sussurrarem teu nome
mas não há ninguém por perto



louco

quinta-feira, setembro 14, 2006


[Você é capaz de contar as horas que faltam para o próximo amanhecer sem que o peso do olhar divino não assole as tuas certezas de giz? Você consegue dormir em paz sabendo que existem anjos vigiando teus sonhos, prontos a te abraçar quando você menos espera? Quando o escárnio retornar à tua boca e você já não tiver mais forças para vomitar, quem saberá do seu destino? Ajoelha-te em sinal de respeito e silencia o que te traz alegria. Este é o preço reservado àquele que se aventurou a sonhar.]



branco
é dor gotejada
ruído estrangulado
aproximando medo e solidão
do que preservas da esperança
deixando teu corpo mais sensível
às ilusões de preces adoecidas

branco
é pesar anunciado
deus esquelético
escolhendo formas e datas
pra levar antes de ti aqueles que amas
deixando teus olhos marejados
às sobras duma fé carcomida

quarta-feira, setembro 06, 2006



Tinha setenta e nove anos e já não suportava a dor que lhe acompanhava nos últimos trinta e seis meses. No início, deram-lhe algumas semanas de vida – antes fosse, muitas vezes pensou. Não se imaginara terminando desta forma, debilitado e dependente – remédios, parentes, enfermeiras, leitos e, agora, essas agulhas, soros,tubos e o azul...o azul do céu que tanto lhe faz companhia quando a noite chega e as estrelas cadentes não passam, não mais.Da última vez que pôde correr, guarda poucas lembranças(a idade o trai; já não sabe se foi na meninice ou num sonho sob efeito das medicações. De fato, podia ter sido ontem, mas ele não estará lá para saber.) Não rezava mais e mesmo assim esperava por deus ou ao menos anjos quando a hora chegasse. Haveria de ser em plena madrugada, sem ninguém perceber. E só uma, só uma pessoa haveria de fechar-lhe os olhos. Para sempre. Às duas e quarenta e sete fez-se a sua vontade.




já nas entranhas da morte
o que respirava possuía
mais cores sombreadas do que
a tranqüilidade do sofrimento
INTERROMPIDO

seus últimos instantes não trouxeram
sua vida contada velozmente
apenas imagens desaceleradas
agrupadas em blocos rígidos de cores
INEXISTENTES

(não pôde ver sua infância brincada de novo
não sentiu a chuva por entre seus dedos
não reviveu as manhãs de girassóis
nem as noites silentes de espantalho
e não houve deus ou anjos ao seu lado
só as mãos da mulher amada
a fechar-lhe pela última vez
os olhos que soubera castanhos)

sexta-feira, setembro 01, 2006


[Suas mãos sabiam o arrastar do tempo. Reconhecia o desespero, a melancolia e a desesperança pela cor inominada escavada nos ossos dos agonizantes. Não lembra quando tudo começou, mas aceitava como seu destino. Quando criança, chamaram-lhe estranho. Adulto, inventaram-lhe louco. Nas ruas, encontrou o abrigo da indiferença. E moedas, para cumprir a sua sina.]
acolhedor de almas
o velho mendigo
no seu ritual silencioso
repetido dia após dia
sem que ninguém
saiba o porquê
lança a moeda
e espera a resposta



que desta vez não veio



deus


não estava ali


deus


não paga promessas


deus


é o pequeno instante


entre o chão


e a moeda

domingo, agosto 27, 2006


deus
eu sou o silêncio
que lhe falta
as mãos serenas
que lhe acolhem
a margem do rio
que lhe revela

o amor
a ternura
a felicidade
a fé

que lhe derrota
quando a morte
vem nos assombrar

segunda-feira, agosto 21, 2006


você olha por dentro dos meus ouvidos
dos meus olhos e da minha boca
pressiona a minha cabeça
com dedos frios e meticulosos
procurando por culpa e pecado
querendo espremer a minha alma
dissecar-me os sonhos
punir-me os sorrisos
como se eu fosse igual a ti
como se em algum momento
eu tivesse sido algo além
desse espantalho isento de dor
mísero fazedor de palavras
compreendidas em lugar nenhum

não!
basta!
silencie!
desapareça!

tire seus dedos de dentro da minha cabeça
os meus olhos,
deixe-os verdejarem no jardim
junto aos sonhos e sorrisos
livrai enfim
a minha alma
das suas sentenças mentirosas

(o seu julgamento hipócrita e covarde
escarra-os diante do espelho)

porque eu não sou feito de medo e desamor
porque eu não sou feito dessa verdade nojenta
a entupir suas artérias e empanturrar seu estômago
fazendo de você um pedaço de vida ensinado
para esquecer por todo o sempre
debaixo do céu existirem girassóis
e que as cirandas e as cantigas de ninar
sobreviveram sim aos agouros
desse deus por você um dia manchado
ao acreditares que isso era ter fé

terça-feira, agosto 15, 2006


qual sorriso vestirás
quando o palhaço de domingo
trouxer teus amanhãs
estrangulado em luzes
que de sombras, nada mais
pois estivemos aqui
antes ?

quinta-feira, agosto 10, 2006


para mari


havia minhocas germinado vida no coração do menino
,todos diziam que era doença
então trouxeram médicos com olhos de vidro
que diagnosticaram algo com nome esquisito
– médicos dão nomes esquisitos ao que não entendem –
& vieram os remédios com gosto de céu sem nuvens
(doses exatas, a cada hora exata;
todo dia, até quando?)


havia minhocas germinando vida no coração do menino
noite após noite, por meses que nem lembro quantos
mais e mais minhocas no coração do menino
trazendo sonhos carinhados por anjos
– sorrisos precisam de carinho, seja no frio ou no calor –
& vieram as noites vividas entre estrelas cadentes
(cores largas, a cada mínimo instante;
toda noite, pra sempre?)


eram minhocas germinando vida no coração do menino
era amor que crescia esparramado pelo corpo inteiro
nos ossos e na alma, o menino amava
só precisava da menina dos girassóis ao seu lado
– mas isso não podia no mundo onde os adultos viviam –
& vieram paredes pintadas de branco e sem cheiro de chuva
(sorrisos costurados, solidão;
por toda a vida, aonde você está?)

segunda-feira, agosto 07, 2006

palavras
(sentenças desconexas - cores pintadas num quadro sem alma)

emoções
(trilhos exatos - gotas de chuva presas no caderno que joguei no quintal)

sonhos
(risíveis - não há mais brinquedos espalhados no quarto do meio)
amor
(temores - a solidez lentamente ocupando meus ossos )
- eu, silenciado -

segunda-feira, julho 31, 2006

eu
mudo



– escute –
ainda estou
aqui

& meu sangue
,pouco
há de ser
frágil
instante
quando souber
-es)
de mim
essa dor
esse amor
essa perda
(-en
fim

sábado, julho 15, 2006


o sol nascente trazia cores dentro de caixas de papelão
e ninguém te escutava;
sobre as páginas em branco eram sonhados lugares que as mãos
esqueceram antes de ti;
foi preciso destrancar a porta e trazer todos de volta às paredes deste
quarto limpo demais;
TODOS
(os teus bichos feitos de sombras
as tuas brincadeiras de menino
a chuva
& os girassóis
tudo esmiuçado
estudado
analisado
explicado
rotulado
olhado por dentro
– mas eles não saberão
que o lado mais esquisito
é o lado de lá
onde a dor
não te alcança
e as madrugadas são
pirilampos
com asas relampejadas)

quarta-feira, julho 12, 2006


Morte. Estava mesmo debruçado sobre as marcas que dela ficam em nós(a imagem que aqui postei domingo passado trazia tais marcas na pele). Morte. Por mais que eu escreva todos os meus fantasmas, eles permanecem. Morte. confesso ter medo[seria um silêncio ininterrupto que não permitiria espaço para mais nada?] Hoje soube da morte do Syd Barrett – um cara que marca a minha vida. Louco é perceber que um dos meus primeiros blogs destripava sons, e que a única postagem dele foi justo sobre o Syd. Vomitei algumas imagens agora e postarei-as aqui. Outras, têm mais a cara dos outros blogs – deverão por lá aparecer. No eu, espantalho, certamente – o espantalho em mim traz coisas do scarecrow do Syd, lá do primeiro disco do Floyd. Há pouco, conversei ao telefone com um amigo meu, o Marco. Na verdade, ele mais berrava insanidades que conversava. E foi assim, insanos, que um dia, bem moleques ainda, descobrimos os mundos trazidos pelas gargalhadas do Madcap. O silêncio chegou. Saibamos escutar.
pro syd



espere mais um pouco
eu ainda tenho pedaços de
sonhos
para te entregar
e o sol parece
gostar de nós
não peço que fiques
pois sei que tens outros
mundos
para pintar de azul
e as tuas mãos já não
escondem
o peso de estar vivo
quando o que mais desejas
é sair de ti e acordar
fora de tudo
com os olhos longe do chão
livre daqui
livre daqui
livre daqui
Isn't it good to be lost in the wood
isn't it bad so quiet there, in the wood

domingo, julho 09, 2006


dezenove de abril
nossa casa ficou vazia
as paredes calaram nossas vozes
o jambeiro perdeu todas as cores
os brinquedos espalhados
pelo quarto do meio
não mais foram brincados
envelheceram por dentro
como se fossem ossos nus
& as joaninhas
& os percevejos
& os calangos do jardim
entristeceram ao pôr do sol
levando a primavera embora
porque a morte lá esteve
para roubar a nossa mãe
acabo de avivar mais um blog. porque há imagens que me invadem sob a forma de rascunhos. e como rascunhos, serão expostas. é só passar por aqui http://rascunhosesilencio.blogspot.com/

segunda-feira, julho 03, 2006


pro celso, do cárcere - tuas palavras despertaram essas imagens
pra menina que amanhece meus girassóis - teu amor me faz feliz
antes
havia o medo de amar
menina dos olhos descalços-de-vento
& tudo era desmedido
como quem não sabe esperar
PELO INSTANTE
[mas há pressa demais no futuro
e aquilo que ficou para trás não sabe caminhar]

antes
eu não sabia teu cheiro
menina da pele branca-de-nuvem
& tudo decrescia
como quem recorta a felicidade
TODOS OS DIAS
[mas já há dor demais nessa vida
e o que escapa ao poente a noite devora]

hoje
fere-me o sol pálido
menina dos pés rabisco-de-aurora-andaluz
& tudo respira arremedos
alimentados pelo mar cansado de fúria
PORQUE NÃO ESTÁS AQUI
[mas sempre foi amor o que me assustava
e solidão aquilo que eu tão bem conhecia]

terça-feira, junho 27, 2006



PRELÚDIO
I
o inverno que nos afasta
devorado será
por todas as primaveras
que virão
nos olhos da dor
gotejar girassóis

II

a menina que eu amo
guarda andorinhas
caracóis
& ventania
O SEGREDO DAS AURORAS

III

ciclo: pés descalços
teus cabelos gosto de pássaro voando

▒▌

meus dedos são cores cantando cigarras
.
.
.

IV

credo: chuva miúda
teus olhos de jabuticaba


dá-me teus medos
dar-te-ei meu sonhar

terça-feira, junho 20, 2006


o chão de tacos corridos
era memória inventada
como era faz-de-conta
a joaninha germinando primavera
à sombra da acácia
que trouxe a minha mãe de volta
para embalar-me canções de ninar
porque deus às minhas preces
finalmente ouvira
e carregara a morte pro lado de lá

sexta-feira, junho 16, 2006

Penso que meus blogs andam confundindo suas identidades[o preces ribeirinhas encorpa o memórias baldias, que por sua vez, é enchimento qual o eu,espantalho, que resiste ao peso acinzentado do amores fúnebres] Aqui, no vomitando imagens, marco o encontro de todos, o que pode levar ao abandono de tudo, ou ao silêncio que me alimenta os músculos. Não sei muito bem o que dizer. Tenho um turbilhão de sentimentos esmurando meus olhos:
[AS PALAVRAS ULTRAPASSAM O LIMITE DA PELE, A FOME VEM E ATINGE MEUS OSSOS; A DESCRENÇA PARASITA O MEU DESATINO]
Nesses instantes que me fazem distante da primavera, eu mergulho em mim mesmo e descubro que raros sentimentos importam. Pessoas também. Raras pessoas a mim importam. Destas, algumas já não podem mais escutar minhas preces e cheirar meu sorriso de chuva.
Sim, eu sou um homem solitário. Acho que você sempre soube. Não?
Sim, eu tenho medo do isolamento - as paredes do meu quarto não escondem segredos - simplesmente, os ignoram. E assim o fazem com sonhos e girassóis. E você, onde está você que não vem amanhecê-los?Onde você está? Você pode me escutar? Você pode sentir o que eu sinto? Você desceria ao inferno comigo?[a candura do céu cabe sob medida àqueles que sonham sem dor]
Eu sou um homem feito de palha! Eu preciso ser um homem feito de palha!
Tenho as madrugadas comigo mas não sei escrevê-las [eu esboço memórias e destinos para acalentar a miséria do instante] MEUS INSTANTES SÃO MISERÁVEIS longe de ti.
Invadem-me a privacidade e jogam falácias na minha cara. Pai, perdão?
Invadem-me a alma e enraizam sombras nos meus dias de sol. Pai, perdão!
Invadem-me a sanidade e dizem aos ventos que eu já não oro mais. Mãe, escuta?
Invadem-me o amor e dizem que eu sou o mal que te assola. Mãe, escuta!
Meus precipícios chegam ao fim e eu não tenho lugar algum para alcançar.
Meus sonhos, os guardei de volta. Agora, longe de mim, longe de ti, longe das manhãs bretonianas, enterrados num lugar que jamais outro alguém irá alcançar[meu império ruidoso; minha rota de fuga; meu destino escrito em giz]
Hoje, sei os que me importam. Os que amo. Aos que aqui não mais estão, são minhas as memórias a avivá-los. Aos que ainda posso tocar, meu calor entrego. E a você, o que coube?
O melhor que há em mim. O pior que me escapa. A imprecisão das minhas virtudes e a absoluta convicção dos meus erros, todos.
VOCÊ QUE ME FAZ CRER QUE A VIDA VALE A PENA. Você me faz crer nessa coisa esquisita que chamamos amor. E é amor isso tudo. Escutaram? Amor!
Não, eles não escutam. Não, eles não permitem. Não, eles só julgam e rotulam e explicam e receitam[há fórmulas de felicidade, mas pra cada fórmula feliz há um prazo de validade]
Ah, como poderiam saber de nós, se nos atam as palavras, se nos podam os gestos e nos mumificam os horizontes?
Hoje, ruminando outra madrugada insone, eu sei que o mundo inteiro é pouco pra me calar. Mas é aterrador saber que sem ti não há o que falar...

segunda-feira, junho 12, 2006


escreve um adeus que seja um adeus-círculo
um adeus-azul
um adeus-poesia

escreve um adeus sem dor e sem distância
um adeus que nos faça ausentes da perda
livres da amargura e do pesar

[esse pesar desalmado que toma posse da gente
quando não temos mais o entricheiramento do quarto para nos abrigar]

escreve um adeus-mentira
um adeus-silêncio
um adeus que nos dê colo
feito álbum de fotografias posto sobre a mesa da sala vazia

escreve um adeus que não saiba durar
escreve um adeus com letras de giz
um adeus invertebrado e inconsistente
um adeus-mentira que seja possível de apagar

domingo, junho 04, 2006


o sol poente
sujou as mãos do menino
que enfurecido
pintou andorinhas e estrelas cadentes
mergulhou-as no mar

assolado pela profundidade do azul
descobriu não possuir mais nada dentro do peito
– os sonhos tinham esvaziado feito balão perdido
numa praça em pleno domingo –

[a precisão fiel da dor chegara]

silenciou
e atento lambeu o luar
que nem bem despertara
– nas margens vorazes do tempo
desdisse os selos do destino –

um após o outro
guardou os vestígios
do que outrora fora solidão
[transformando orações em sons amargurados]

isolado e lúcido
das memórias roubou segredos
respirou fundo
descreu do amanhã
e nunca mais deixou de voar

segunda-feira, maio 22, 2006



PERDÃO
[O ESPANTALHO SANGRA]

pai, perdão
sou um homem silente
que ainda reza todas as noites
e crê em anjos- da- guarda

pai, perdão
permita que eu creia
permita que eu fale
permita que eu de ti me aproxime

pai, perdão
um dia todos erramos
um dia todos tropeçamos
um dia todos fracassamos

pai, perdão
mesmo que o erro tenha sido mentir
mesmo que o erro tenha sido temer
mesmo que o erro tenha sido sonhar

perdoa, pai

[ainda hoje nos imaginei a conversar
e você era mais alto do que eu pensava;
você falava as palavras que eu falaria, verdades;
você olhava fixo aos meus olhos, silêncio;
você alcançava as minhas estrelas cadentes, permissão;
você apontava minhas MENTIRAS e as jogava no meu ROSTO;
você desossava as minhas FRAQUEZAS e as lançava ao VENTO;
você investigava minhas VIRTUDES e de todas DESACREDITAVA;
você me APEQUENAVA e mesmo assim eu NÃO desistia]


pai, perdão
porque no meu coração-espantalho
onde jazia numa sala esquecida na memória
hoje sorriem auroras bretonianas
germinadas pela menina que eu amo


pai, perdão
dá-me tua benção
dá-me tua permissão
é só o que peço

confia em mim, pai
porque eu jamais a deixarei só
porque eu jamais a farei sofrer
porque eu jamais direi adeus

acredita em nós dois, pai
e todas as nossas primaveras
e todas as nossas manhãs
serão de girassóis.

pai, perdão.

terça-feira, maio 16, 2006


acredita nas mãos que oram
– deus está aqui –
a fé é menor que o medo da morte
– o menino permanece sentado na cadeira de balanço –
os choros agora estão mais altos
– pressente que alguém tocará nos seus ombros e dirá que tudo terminou –
havia um cheiro de dor ganhando vida nas paredes do quarto
– no seu faz-de-conta esse dia não chegaria jamais –
o lar agora estava incompleto
– todas as brincadeiras entristeceram –
os sonhos não deveriam ter fim
– o futuro agoniza intercalado aos lamentos –
pequenos somos diante da perda
– a permanência nos afoga em certezas –
traga um adeus que seja frágil
– ainda sou teu filhinho nas minhas memórias –

domingo, abril 30, 2006


eu preciso de um tempo
eu preciso aprender a fingir
que a vida é exatamente isso tudo
que eles dizem que é
eu preciso mentir
e enganar o que sinto
eu preciso do silêncio das ruas desertas
eu preciso da mudez dos corações desamados
eu preciso dos sorrisos fáceis
e da falsa felicicidade das manhãs sem girassóis
eu preciso encontrar um caminho bem longe daqui
eu preciso enterrar minhas memórias
e descrer na felicidade
porque é assim que funciona
porque é assim que ouvi dizer
porque é assim que está ecrito
num livro que me recuso a ler
e que todas as madrugadas que contigo viverei
e que todos os caminhos que contigo andarei
e que todos os sonhos que contigo singrarei
fiquem longe de mim
fiquem longe daqui
porque eu não suporto tanta perda
porque eu desaprendi a chorar
porque eu desaprendi a esconder o que sinto
porque eu te amo
porque eu te amo
porque eu decreto aqui
que o espantalho
agora tem músculos que nada pulsam
e olhos que nada vêem
e mãos que nada tocam
e um sorriso estranho
que a tudo espanta
menos o vazio
e a tristeza imensa
desse amor
que disseram morrer
e que comigo levarei
nem que seja sozinho
na desfronteira da vida
no lugar exato
onde habita a dor.
*
aos que aqui aparecem
aos que aqui vomitam
calarei por um tempo
é preciso
eu preciso.
vez por outra estarei no amores fúnebres
ou no eu, espantalho...

domingo, abril 23, 2006



REED

anjos
&
febre
os tempos difíceis acabarão
nossas preces serão ouvidas
teus ombros acolherão meus medos

[algumas vezes sinto-me feliz
quando mergulho nos teus olhos pálidos]

anjos
&
frio
os tempos de sorrir sucumbirão
as promessas afogar-se-ão na fé
meus lamentos sobreviverão aos teus

[algumas vezes sinto-me tristonho
quando adormeço nos teus olhos pálidos]

domingo, abril 16, 2006


ESBOÇO EM GIZ

era deus, calado
ausente na fundura dos lamentos
nos livros espalhados pelo quarto
na porta entreabrindo iluminuras
[era eu, menino
nas sobras de março
tardias e desfiguradas
por este abril minucioso
que agora começa
a me mastigar]

domingo, abril 09, 2006







- Por que você jogou todos os nossos brinquedos fora? Você sempre soube que eles guardam memórias. Agora, como iremos lembrar?

-
O que deveríamos lembrar? A chuva nunca mais será a mesma, você não percebe? A morte tocou as paredes do quarto e nada mais importa. Está tudo enterrado, com a nossa mãe.

-
Mas você sabia, as memórias velam os sorrisos. A infância sem sorrisos nos envelhece. Quem seremos nós?

-
O silêncio está aqui. A dor passará. Minhas mãos escreverão girassóis, você precisa acreditar.

-
Creio nas manhãs quando são azuis.

-
As manhãs azuis estão seladas.

-
Creio na benção de deus e nos meus anjos-de-guarda.

- É o silêncio que está aqui.

- Você canta uma cantiga e me faz dormir?

- E depois, quem me ninará?

sexta-feira, março 31, 2006


Lamparina sobre a mesa
uma das crianças está calada
observando
os movimentos
e o silêncio
que fica pra trás
quando a noite avança
na ânsia de mais uma aurora
por chegar.

No fundo das gavetas
na tessitura do quarto
as noites antigas
ainda dançam
sobrevivem aos tique-taques
e às penosas mudanças
que chegam com as estações
o frio
a secura
o calor
a umidade
a permanecer ali
enquanto a lamparina
sustenta promessas
e preces
diante da criança
calada
e triste
com um resto
de horizonte
nas mãos.

domingo, março 26, 2006



PRECE
sob a lua, solta
mariposas
e bichos da mata
assombram
o espantalho
que no menino
criou raízes

domingo, março 19, 2006


Felicidade.
Você pode tê-la?
Senti-la?
Digeri-la?
Ruminá-la?
Trata-se de especulação, somente.
Estou no meio da tarde e é domingo e você nunca esteve aqui
[meus livros e discos sentem falta das tuas imaginárias impressões]
Estou projetando algum sentido neste vazio desocupado de ti
[minha redenção alcança o ponto mínimo nas madrugadas, distantes]

Felicidade.
Você pode sabê-la?
Reconhecê-la?
Habitá-la?
Percorrê-la?
Trata-se de um homem só, silente.
Estou a traçar planos de escape e álibis e verdades desossadas, é isso.
[cheguei um pouco tarde, a chuva já tinha passado e Belém respirava sem mim]
Estou a simular o teu sorriso esparramando vida nos meus olhos, tristes
[minha insensatez prolifera sonhos quando a dor me rouba as tuas cores]

Felicidade.
Você pode suportá-la?
Sustentá-la
Alimentá-la?
Sobrevivê-la?
Trata-se de um caso único, eu.
Acolchoando as paredes eu isolo o mundo lá fora e deixo tudo menor do que o é.
[sobras de sentimentos percorrem as linhas do meu destino na contramão]
Adormecendo os girassóis não precisarei das tuas manhãs clareando meus dias.
[sou um espantalho fincado no centro desta ciranda esquecida no tempo]

quarta-feira, março 15, 2006


Todos os dias, silêncio.
A porta do quarto
As páginas dos livros
Os pares de tênis
A lâmpada fluorescente
As estantes de madeira nobre
O rodapé empoeirado
Tudo em silêncio.
*
E havia a calma
Pesando sobre nossos ombros
A calma feita da ausência
A calma feita dos desejos
Dobrados
E guardados
Ao avesso.
*
Maldita calma-mendiga
Maldita calma-fragmento
Maldita calma-murmúrio
Maldita calma-descrença
Maldita!
*
Todos os dias, silêncio.
O sufoco crescente
O vazio perturbador
A insignificância dos gestos
A frieza do hábito
Daquilo que antes era amor
Agora de todo enterrado.
*
Havia mil
desculpas
Espalhadas pelos cômodos da casa
Havia álibis risíveis
Acumulados feito gordura
Entupindo a felicidade
De quem amanhecia com as auroras
Havia mentiras fossilizadas
Atando um nó na garganta
De quem até ontem sonhara

[os gritos estancaram nas rachaduras do medo
os gritos afogaram as primaveras que viriam
os gritos amortalharam a esperança
os gritos nos deixaram completamente sós
presos ao que jamais deveria
conosco ter sobrevivido]

domingo, março 12, 2006



Vento,
Escuto teus deuses no meu peito
E mesmo assim estou só.

Vento,
Assobias meu destino nas janelas
Mas eu não sei escutar.

Vento,
Leva minhas dores embora
Que eu juro nunca mais sonhar.

Vento,
És quem escapa pelas ruas estreitas da minha cidade
És quem adormece nas velhas mangueiras da minha cidade
És quem sobrevive aos olhos esquecidos da minha cidade

Vento,
Acolhe na tua grandeza embravecida
O meu império de um só
E crava no teu silêncio sem peso
As manchas da minha alma errante

Vento,
Ouve meus cantos
Aninha minhas preces
Que eu te ensino a ser criança
Que eu te ensino a cirandar

quinta-feira, março 09, 2006


Era pirilampo
não era visagem
que do céu recortava
pedaços miúdos
de alegria

[toda vez que a dor chegava
toda vez que a vida cansava
pirilampo era sonho
um sonho bom que crescia]

*

Era Mãe-d’água
chamando tempestade
que dos bichos da mata
encharcava a alma
de magia

[com os encantos da noite
no coração do menino
cantou –se cantiga
sonhou-se poesia]

*

Era pedra de rio
secando o pranto
do homem que chegava
diante do menino
que pra sempre partia

[adormeciam estrelas
na lonjura do peito
sumiam estrelas
na fundura do dia]

sábado, março 04, 2006

sexta-feira, fevereiro 24, 2006



FRAGMENTOS DE BREVIDADE E SILÊNCIO
FRAGMENTO UM
A RETIDÃO DA SAUDADE SILENTE
Soltei um grito abafado
incapaz de interromper a velocidade
das cores que cresciam por dentro
espalhando incoerência nua
sobre a minha pele
- o peso das derrotas; o torpor do esquecimento -

Quando você te levou daqui
anjos desabrigados
e manjedouras abandonadas
passaram a velar o vazio da ausência
alargando os limites corroídos da dor
- essa dor que não ecoa; essa dor limpa demais -

*

FRAGMENTO DOIS
UM RABISCO EM NANQUIM ACORDA AS ESTAÇÕES
Na primavera do cansaço
todas as janelas e portas
encerravam o ato enfadonho
de estar contido em mim mesmo
e esquecer as fronteiras do adeus
– minha própria queda; meu abismo sendo alimentado –

No inverno da dormência
eram frestas e rachaduras
a murmurar brincadeiras entristecidas
emolduradas pelo medo
de estar caduco de mim mesmo
- minhas feridas cauterizadas; meus lampejos fossilizados -

*
FRAGMENTO TRÊS
RUPTURA ESCALONADA
- BREVIÁRIO DO POETA INSONE -
Eu
jurei diante de deus.
jurei com fé
jurei de joelhos
jurei em vão

Eu
escrevi teu nome
com meu próprio sangue
escrevi teu nome
soletrando meu destino.

Eu
provei da felicidade
invadi-me da paixão
acovardei-me do amor
e sepultei-me do amanhã.

*
FRAGMENTO QUATRO
EPÍLOGO EM DOIS TEMPOS
TEMPO QUE CHEGA
Sou insone
Logo mais vem a noite
E ao meu triste olhar
Caberá das auroras
Amputar girassóis

Sou insone
E voltaram as cores
As mesmas cores
Que não sabiam sorrir
Que não sabiam da chuva
E que cresciam por dentro.

*
TEMPO QUE FOGE
O amor
quando visto por dentro
é tão somente
uma tolice fantasiosa
uma conjunção pegajosa
uma estória banal e mal contada
uma promessa infundada
um único suspiro
que nos encanta
e nos faz crer
pra depois
partir.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006



Tanto houve mãe, naquilo que nos restou.
Somos pedaços de sombras perenes
[desertas, frias e mudas]
Tanto houve mãe, naquilo que se passou.
As páginas do livro foram lidas ao contrário
[amargura, dor e cansaço]
Tanto houve mãe, naquilo que em mim não calou.
Saudade-sorriso no coração do menino
[quieto, sozinho e poeta]

domingo, fevereiro 12, 2006



CANÇÃO EM TRÊS LAMENTOS

LAMENTO PRIMEIRO
- AQUILO QUE VEM COM AS MANHÃS -

Um grito engolido
pausadamente
faz da tua carne
escritura-sepulcro
[anúncio das manhãs trajadas de cinzas]

Abertas dentro dos olhos
há janelas sem alma
sem vista e
sem ar
[lampejo de insone azul-deserto]

Aos ossos coube
o peso de seguir vivo
na feitura
do homem-rascunho.
[escapa à alma a ternura diminuta do roxo-poente]

Aos músculos coube
sustentar a lucidez
no limiar
do homem-farrapo
[fica na alma a quietude incômoda do branco-abandono]


*


LAMENTO SEGUNDO
- AQUILO QUE PARTE COM A CHUVA -

Um sorriso sedimentado e
um punhado
de moedas
são-te fronteiriças
[o humor do teu deus é raquítico,
recusa a fartura do riso e da dor]

A esperança mastigou teus medos e
na tua face
escarrou
anjos desbotados.

A esperança maquina felicidade e
secreta
imaculados
fluidos pegajosos.


*

LAMENTO TERCEIRO
- AQUILO QUE NOS PERPETUA -

Espantalho,
ainda ontem
te vi sentado sobre a grama
enquanto chuviscava
- teus dedos em vão tentavam te devolver às auroras -

Mas murcharam os girassóis e
já não há mais música
embalando o eu-menino
preso ao tempo
que não te leva embora
deste carrossel,
entristecido
a
girar.

Espantalho,
já é noite lá fora
escuta os bichos da mata
e os abraços do rio
que nina o sonho ribeirinho
[é hora de adormecer e recobrar os teus cânticos e a tua fé]

Espantalho,
descansa teus girassóis
tuas cantigas e teus ruídos
pois o frio-poesia saberá te despertar
quando a dor tiver passado e
a angústia alcançado
as trilhas do fim.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006



O grito engolido pausadamente em frente ao espelho – a delimitação do espaço; o remoer do enredo; a estética do vazio. A carne, embrutecida por anos e anos de mudez e retidão, já não é capaz de responder às tuas súplicas e tu bem sabes que orar é ineficaz nestas horas.

[lembras da tua mãe e das intermináveis dores de cabeça que a assolaram até a morte;
lembras dos sorrisos que ficaram pra trás,
distantes do toque da memória;
lembras que a vida se prometia eterna
quando as estrelas cadentes brincavam de sonhar
nas tuas noites de menino]


Teus olhos vagueiam sem olhar ao que fica e ao que vai – é a vitória do nada.
Tens mãos ressequidas e desprovidas de horizonte – é o júbilo da expiação.



Está tudo aqui, nesta madrugada encharcada e úmida – teus soldados de chumbo; tua colcha de retalhos; teu chapéu azul. Existe a tela d'um monitor crivando o que escapar à dor, tua frágil e irrisória sensação de alívio. O gosto amargo da alma desossada é aquilo que a solidão te reserva quando a esperança vomita lucidez nos teus orifícios. A lucidez a te invadir. A lucidez acreditando em ti.

[lembras dos rostos repentinamente vazios que passaram a te habitar a
ossada;
lembras do aviãozinho de papel que ganhou o azul do céu,
pra inalcançável não mais voltar
lembras que a primavera tinha o rosto de deus
quando o sol em segredo te disse
que toda dor iria passar]


Existem rumores de que você sonhará cata-ventos – é a ressurreição do espantalho.
Existem cochichos de que você trará os girassóis de volta – é a sagração da infância.



Homem feito de sobras,
as paredes do campanário
devoram o medo
e mortificam os passos errantes
da purificação

- é preciso limá-las
as paredes
lenta
e
pacientemente
para enfim
ser possível
alcançar
o lado de lá -