segunda-feira, janeiro 31, 2005

No epicentro da vertigem, fuga. Tuas tralhas, teu diário, tuas conchinhas do mar e o cheiro das manhãs azuladas, te acompanhando feito sobras requentadas de um banquete solitário – o precipício te olha na cara e sorri. Por dentro, a sangria do poeta sem alma. Outra madrugada. A angustiante certeza de que outra aurora virá.
o mundo contigo!
[meus olhos dizem, sem saber-te – o desejo marcado na pele nua]
estamos distantes demais pra sermos eternos
o que nos salva --------------------------------------
do toque frio da razão
[a loucura nos pertence – a loucura feita de imagens depuradas]
são nossas todas as madrugadas
e as auroras que chegarem sem avisar
[te farei outra canção – uma canção que não seja de amor]
minhas virtudes fracassadas
meus pecados espumantes
– o que me falta pra ser além –
[sentir teus lábios manchados de mim]

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Por dentro de todo medo habita o frio. A incerteza de se estar vivo. O silêncio bruto das manhãs desoladas. É tão simples saltar e trazer nas mãos estrelas e sonhos. Mas a queda é que importa. Dos fragmentos arrancar horizontes. Rastejar como um deus solitário agarrado à delícia que se degenera. Render-se aos sentidos que a tudo devoram. São instantes que nunca se repetem, feito olhos desavisados descobertos sob o sol. Um grito rasga a mácula. Peço às sombras a solidão de volta. Permanecer quieto é um desafio. Pulsando no peito insiste o coração.

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Então, estás aqui. Como você disse, a proximidade não nos alcançou. Não há amor nem solidão nos teus olhos – sinto a dor esvair-se deixando pra trás um rastro que na alma se inscreve, lentamente. Sim, nós dois, aqui. Não era pra ser assim? Todas as mentiras e sutilezas. Portas entreabertas expulsando os sonhos – fomos, compassadamente, escrevendo uma canção que estacionou antes do fim. As promessas e os horizontes que sobreviveram estão carcomidos [o ato mais equilibrado que podemos ter] – amor desfigurado amargando a chuva da tarde que finda.
Encontrou nas perdas a paz possível. Perseguiu em si a loucura do poeta de paisagens e palavras prescritas – poentes são pálidas lembranças que na alma criam raiz. É em vão qualquer crença com gosto de mofo. Toda meticulosidade retém sonhos gordurosos – as veias entopem com a chegada do tempo que de fato não segue adiante. Sobre a mesa há perdão e volúpia – não aceita nada que seja maior que um ruído [o sopro do coração traz esperança onde sonham as formigas verdes.] Há pouco ruiu a última consagração – estava escuro quando o céu em fúria invadiu o sol.
FRAGMENTOS -Do que não vejo ou disse, não peça além – eu iria bastar e isso é pouco [tudo que basta a si mesmo acaba sem deixar gosto] E mesmo que queiras, esqueça – a razão prega peças estupidamente corretas, feito banquete temperado com cautela [o limite revelado pelo luar encarna a alma] Ascenda ao meu corpo nu – a carne trêmula enraíza os deuses pagãos num infinito espumando desejo [a delícia da insensatez invadindo todos os poros] Eis a redenção dos sentidos – no meio da madrugada, acordar ofegante, inescrupulosamente mergulhado em ti [rendo-me ao desmesurar quando tuas coxas revelam meu fim]

sábado, janeiro 15, 2005

Tarde feita de chuva...o calor insiste, mas fica um sopro de umidade - não a umidade que sempre está aqui- em belém,respiramos umidade. A umidade da chuva misturada ao sol. A tela. E se houvesse o outro lado da tela, diria que lá estava você. Aqui, outras imagens saltaram...surpreendo-me...e posto.

O que me faz solitário. Aquilo que me mantém a sanidade aflorada. Um filme por terminar, mas que nunca termina...prolonga-se de forma doída...arrastada...tocando com dedos de gelo a alma...o epicentro dos nervos. As tardes são calmas e abafadas. As noites carregam em si o esquecimento – são próprias pra se ficar em silêncio, observando [A epiderme mendiga padecendo de sonhos.] Meus pequenos devaneios ardem nas feridas abertas – os solavancos da intempérie. Sou pouco quando me basto. Meus olhos derramam anjos descrentes – malditos anjos dementes que escrevem passos nas trilhas da minha imprecisão. Quero a nudez dos teus instintos. Os motivos do teu descaso. Minhas veias explodindo vertigens e paixão.
Quando olho ao que se foi, lembranças. Todas as manhãs azuis e as cinzas também. Os sorrisos que espalhavas pela casa. Era jardim e quintal e estrelas cadentes – pirilampos e cheiro de mato molhado. A infância, a infância transborda em mim. O homem pede licença... e diante dos próprios olhos, infelizes e semi-abertos, não é capaz de olhar ao espelho.Você não está aqui. O porquê de tudo ganha contornos desbotados. A tua ausência refina os sentidos. A perda. O sentido de estar aqui, neste exato momento. O que a mim habita? Quais os segredos que o horizonte poente não revela? Quantos instantes permanecem imóveis, intocados, ausentes de tudo? A poeira acumulada nos sonhos. A lua trancada nas noites repetidas – um filme projetado numa sala vazia.
A solidão resvalou nos seus olhos. Imagem única que iria guardar em silêncio. [o silêncio é bom guardador de segredos.] Tuas mãos tenras não tinham a quem acenar. Não havia horizonte naquela tarde com restos de azul. Esperava por estrelas cadentes [era por todos sabido que aquele homem sisudo tinha um pedido há muito empoeirado.] A quietude ritmada. O abismo de si pulsando desesperadamente. As horas rabiscando girassóis na tela dos sonhos desfeitos. Blasfêmias. Maledicências. O completo descontrole. Mas não há movimento. Não mais. Só uma repetição de imagens e memórias inventadas – inveto memórias quando alcanço o centro da solidão.] Lentamente, foi descobrindo que a dor aumenta quando a aurora respinga amargura, distância e esperança. Já era tarde quando nos músculos foi-lhe enervada a insensatez do luar.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Estranho. Nada faz o silêncio calar. O vazio ecoa pela sala. Nas molduras. No abajur sobre a velha escrivaninha. Nas portas trancadas. Nos cantos dos rodapés – não há sequer um rastro de poeira. [ esta maldita limpeza sufocante está espalhada por todo lugar.] Você ainda acredita? Na última vez que te vi parecias mais jovem. A luz da manhã não incomodava teus olhos. Tinhas mãos sem destino e um sabor selvagem no coração. O que mais posso lhe dizer? Se meus ossos estão frágeis de frio. Se minhas amarguras caducam sem fim. Se meus sonhos guardaram distância. [ Escorre ao longo da aurora um fio de esperança – a crueza da solidão apossada do tempo. ]
Invento a solidão em mim. O vazio. O deserto. A perda. As memórias, eu as invento. Pra cada uma, uma cor, uma textura, um cheiro, um som... milimétricas, precisas, impactantes memórias. Numa das mãos, o sol. Noutra, frias e indiferentes teclas. No rosto, o que me foge. O que me revelaria, não fosse a fragilidade de todo instante.
Estava na cadeira de balanço, onde o avô não mais estivera. Douglas, douglas! disse alguém bem distante dali. Quis um sorriso, mas a resposta não soube chegar [ ficou enraizada na imensidão da vertigem.] Olhando fixo ao teto, só o que via eram rachaduras donde havia estrelas – o tempo marcado nas angústias veladas. Entre o polegar e o indicador, um sonho escrevendo ciclos [o epílogo desfeito – mais e mais gotas de chuva em meio ao arco-íris.]

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Escrevo imagens. No silêncio que me esmiúça. No equilíbrio etéreo da pele. Na distância agonizante. [você ocupa meus medos e não permite perdão] Lá...nas dobras da alma... no pulsar do esquecimento... na viscosidade do corpo mendigo... Busco imagens. [a lua enclausurada na fenda que teus olhos, de tão castanhos, me sonhavam]

sexta-feira, janeiro 07, 2005

O azul, nas suas extremidades, querendo me revelar. Cíclica angústia trazida pelo vazio – momento singular preso dentro da alma. A imensidão das minúcias. Os receios escalonados – no corpo, marcas antigas. Impróprias. Desejos por longo tempo guardados. [ O cheiro. A textura. A incorreção lambuzada no rosto – são ruídos que se afastam antes do sol poente. ] A gaveta vazia. As folhas de papel. O azul depurado demais para ser chamado de insensato. Meus desatinos. Minha indócil solidão.

domingo, janeiro 02, 2005

Fracasso. Minhas virtudes venceram. Resta-me um punhado de vícios. Carcomidos. Ejetados. Vícios de pele amarelada. A mim, olham famintos. Hei de saber alimentá-los. [ há no silencio das auroras uma sofreguidão convulsiva. ] Meus sonhos foram cuspidos pela lucidez das tuas entranhas. Afasto dos meus nacos de silêncio as memórias que de ti emanam. Os fogos de artifício anunciam outro ano. Estou sóbrio demais para celebrar. Minhas mãos rememoram as ruas que andei. [ há na razão uma espécie de sepulcro dormente.] Nos instantes exatos entre o sono e a vigília, à porta arrastam-se deuses meninos de olhos acinzentados e unhas roídas. Trazem consigo o rancor daquilo que não soubemos enterrar. Das angústias afloradas a cada dia fingindo dor. Da mudez trancada nas paredes do quarto. Daquilo que um dia soubemos ser amor. [há luz demais nesta primeira manhã de janeiro]