quinta-feira, setembro 29, 2005



Pela boca, setembro escapando de mim – as cores da primavera recolhem sobras do destino como se fossem velhas carpideiras sem lágrimas pra chorar. Há dor em demasia aqui, e as paredes do meu quarto já não conseguem isolar o que sinto do que inventei para sobreviver anulado [a infância descalcificada em meus ossos olha direto nos olhos da dormência e some] Meus instantes silentes são pequenos deslizes de humanidade dentro deste coração esvaziado por trinta e oito anos da mais absoluta frieza[as tormentas que obstruí, as alegrias que abortei, todas, cobram seu preço agora]

terça-feira, setembro 27, 2005


Há na vida da gente um lugar empoeirado, quase de todo esquecido, quase tingido de medo – um lugar azul da cor do azul que habita a solidão. Lugar lá dentro, bem dentro do silêncio e da crueza incompreendida de toda dor que dói desalmada, que dói encorpada, que dói como dor nenhuma quisera doer – essa cadência insustentável do que chamamos amor. Lugar nenhum, lugar secreto, lugar quieto, lugar deserto com um quê de inocência – onde assombração nos faz dormir assustados dum susto carinhoso que só avó sabe contar. Um canto de nada, preso entre as vísceras e a alma, entre os olhos e as pálpebras – um canto suave onde estrelas cadentes encontram os pedidos e devolvem o brilho que nós um dia de tão tristonhos que somos esquecemos de fazer ninar. Um canto mateiro onde rios desaguamos e mãe d’água entoa o que encanta pirilampos e faz noite enluarada com gosto de vento e de balanço de rede mansinha chegar. Um pedacinho de mundo onde criança fazemos desse adulto que inventaram nos ossos da gente alguém diferente capaz de mudar com um gesto pequeno, mas bem pequenino, essa vida capenga, doída e fingida pr’um mundo gigante, maior do que dantes – secreta magia de noite e de dia escrita em canção, vivida em poesia. Lugar invisível aflorado na pele, trançado no tempo – na eternidade do que já foi, na permanência do que está, na sensação do que virá – conjugação imprecisa do que nos alimenta os sonhos, do que nos purifica a lucidez, do que nos devolve a loucura, do que nos entrega aos domingos, aos doces domingos e seus bancos de praça, balões coloridos, pipoca quentinha e cachorros latindo de tanto brincar. Há na vida da gente um lugar sem nome, que não tem endereço ou vocação pra terminar, fazendo da gente gestação de centelhas, jardineiros secretos do jardim de girassóis que celebram auroras no amarelo dos dias que só um pintor soube pintar - lugar que nos faz de novo meninos, de novo euforia, de novo sorrisos com gosto de lar. Há na vida da gente um lugar sem fronteiras, lugar sem entrada, muito menos saída. Há nessa vida da gente um lugar encantado que nos faz sonhadores, loucos, loucos anjos sem céu algum pra guardar.

sexta-feira, setembro 23, 2005

A madrugada chega sob a forma patética d’um bufão perdido no tempo – a proximidade do sono é indício de mais um amanhecer que aparenta não saber raiar [existe um sopro inalcançável de solidão nisso tudo, eu sinto] Novamente o sabor da escrita inacabada mastiga o esqueleto da esperança – as cores das palavras estão borradas como se fossem cicatrizes num corpo mendigo a dormir na calçada sob a indiferença calcificada d’outra primavera entulhada por flores póstumas e domingos sem circo. Colo página sobre página, retiro os quadros da sala, desocupo as paredes do quarto, espalho livros pelo chão, empilho as promessas que um dia jurei, catalogo as mentiras que me faltam acreditar, escuto mais uma canção do neil young e derrotado já não consigo esquecer que teus olhos não estiveram aqui.

quarta-feira, setembro 14, 2005


continuo escutando a exatidão das coisas que não foram. exatidão cianótica, feita de golpes secos sobre meus ossos[traumatismos da minh’alma] sei que não tive como lhe dizer adeus e nem mesmo lembro do último instante da sua presença – quando cheguei em casa, ainda criança, o quarto tinha o peso do silêncio a velar memórias. a vida se dá em instantes. a morte é-nos servida em pedaços. a vida encontra-se na morte. a morte digere a vida. a vida remonta sobras. a morte desfaz caminhos. a vida suspira. a morte, jamais.

domingo, setembro 11, 2005

A solidão fica escondida nas conchinhas que vez por outra encontramos numa praia qualquer [remoendo por dentro, junto ao som do mar e ao cheiro do vento, nunca desistindo de nós] Fica nas manhãs que encontram meus olhos a procurar os teus – um desencontro composto de peças já encaixadas, rigidamente acomodadas junto ao sol. A solidão escapa-nos quando o silêncio cresce comprimindo as vértebras, deixando-nos abandonados feito zelador d’um carrossel que não gira, faroleiro numa madrugada sem tempestade, um velho espelho partido com imagem alguma pra respirar.

quinta-feira, setembro 08, 2005


Abafado por dentro, tenho tempo, tenho ódio, tenho pecados, tenho escoriações pela alma e letras escolhidas a esmo. Há dedos arranhando o silêncio – as vértebras são gravetos partidos no quintal [terra preta, jambos espalhados pelo chão e lagartas verdes comendo as folhas da cidreira] Onde estão meus amigos?[cresceram feito câncer, amaram feito loucos, secaram feito rios, adormeceram antes das estrelas cadentes passarem] Onde está o rosto desse teu deus que minha fé cambaleante não consegue acreditar? Onde moram as preces das velhas beatas e o choro das carpideiras? Onde escondo meus medos de menino querendo o colo da mãe, sem ter mãe pra me fazer ninar?

domingo, setembro 04, 2005


O tempo ficou preso na foto. Já não há mais por onde circular. É-me impossível tocá-lo, sabê-lo, trazê-lo junto à chuva que escreveu poesia na grama, nos coretos, nos pássaros, na minha alma que nem havia nascido. Os sorrisos, as brincadeiras, as roupas dos passeios dominicais pela praça, as bonecas que ganhavam centelhas nas mãos daquelas meninas – pequenas irmãs que no olhar trouxeram sementes de sonhos [os girassóis que verdejariam meus dias, minha vida parida em azul – minhas letras desafogando o horizonte]

quinta-feira, setembro 01, 2005


Crescíamos com o sol, com a lua. Crescíamos com as estrelas cadentes que juntávamos. Nossas manhãs semeavam samambaias e ninhos de passarinhos – tínhamos cores que desaguavam como rios nas margens dos papéis sem pauta [a chuva desenhada na alma] Por todas as tardes éramos muitos, éramos juntos, éramos sons – de sorrisos e brincadeiras, de frutas roubadas nos quintais vizinhos e vidraças quebradas por chutes mal calculados. Tínhamos nos olhos a quietude secreta da noite e seus bichinhos feitos de sombra – teatro sem texto, o mundo riscado em giz. Fugíamos das horas que sempre avançavam, como se soubéssemos um dia o peso do tempo vir nos desacelerar, acamar, docilizar, fazer acreditar na vida de gente grande [aquilo de pessoas opacas com cheiro de medo e indisfarçável sensatez] – mesmo assim, não havia tristeza, era como se tudo fosse uma infinita corrida buscando pirilampos no horizonte distante, um carrossel que jamais iria parar. Dói muito saber que tudo ficou estacionado num lugar que não podemos mais alcançar. Vento que sopra memórias pra longe. Assombro que sepulta os girassóis que virão.