domingo, abril 30, 2006


eu preciso de um tempo
eu preciso aprender a fingir
que a vida é exatamente isso tudo
que eles dizem que é
eu preciso mentir
e enganar o que sinto
eu preciso do silêncio das ruas desertas
eu preciso da mudez dos corações desamados
eu preciso dos sorrisos fáceis
e da falsa felicicidade das manhãs sem girassóis
eu preciso encontrar um caminho bem longe daqui
eu preciso enterrar minhas memórias
e descrer na felicidade
porque é assim que funciona
porque é assim que ouvi dizer
porque é assim que está ecrito
num livro que me recuso a ler
e que todas as madrugadas que contigo viverei
e que todos os caminhos que contigo andarei
e que todos os sonhos que contigo singrarei
fiquem longe de mim
fiquem longe daqui
porque eu não suporto tanta perda
porque eu desaprendi a chorar
porque eu desaprendi a esconder o que sinto
porque eu te amo
porque eu te amo
porque eu decreto aqui
que o espantalho
agora tem músculos que nada pulsam
e olhos que nada vêem
e mãos que nada tocam
e um sorriso estranho
que a tudo espanta
menos o vazio
e a tristeza imensa
desse amor
que disseram morrer
e que comigo levarei
nem que seja sozinho
na desfronteira da vida
no lugar exato
onde habita a dor.
*
aos que aqui aparecem
aos que aqui vomitam
calarei por um tempo
é preciso
eu preciso.
vez por outra estarei no amores fúnebres
ou no eu, espantalho...

domingo, abril 23, 2006



REED

anjos
&
febre
os tempos difíceis acabarão
nossas preces serão ouvidas
teus ombros acolherão meus medos

[algumas vezes sinto-me feliz
quando mergulho nos teus olhos pálidos]

anjos
&
frio
os tempos de sorrir sucumbirão
as promessas afogar-se-ão na fé
meus lamentos sobreviverão aos teus

[algumas vezes sinto-me tristonho
quando adormeço nos teus olhos pálidos]

domingo, abril 16, 2006


ESBOÇO EM GIZ

era deus, calado
ausente na fundura dos lamentos
nos livros espalhados pelo quarto
na porta entreabrindo iluminuras
[era eu, menino
nas sobras de março
tardias e desfiguradas
por este abril minucioso
que agora começa
a me mastigar]

domingo, abril 09, 2006







- Por que você jogou todos os nossos brinquedos fora? Você sempre soube que eles guardam memórias. Agora, como iremos lembrar?

-
O que deveríamos lembrar? A chuva nunca mais será a mesma, você não percebe? A morte tocou as paredes do quarto e nada mais importa. Está tudo enterrado, com a nossa mãe.

-
Mas você sabia, as memórias velam os sorrisos. A infância sem sorrisos nos envelhece. Quem seremos nós?

-
O silêncio está aqui. A dor passará. Minhas mãos escreverão girassóis, você precisa acreditar.

-
Creio nas manhãs quando são azuis.

-
As manhãs azuis estão seladas.

-
Creio na benção de deus e nos meus anjos-de-guarda.

- É o silêncio que está aqui.

- Você canta uma cantiga e me faz dormir?

- E depois, quem me ninará?