quinta-feira, dezembro 17, 2009



cantiga à vó nazaré
in memorian


I
a doce vó partiu
e aquela manhã vestida de luto
sobre nossos ombros desabou
a imensidão do céu
.
II
a morte fratura memórias
ossada abandonada por deus
porque já não temos para onde ir
porque já não há mais a quem falar
.
III
vó,
diz-nos então de que vale agora
prece lamento e pranto
se miseráveis que somos
há muito de ti fizemo-nos distantes?

.
IV
vó,
não te abracei porque frio
não te escuto porque ímpio
não te mereço porque são

domingo, novembro 29, 2009



ao rubens da cunha. porque seu primeiro degrau (http://casadeparagens.blogspot.com/) arrancou este grito de mim
.
diferente de ti, eu não condenava. porque ainda criança sabia: em minhas mãos padeceriam única e exclusivamente em nome do desespero escrito em letras mortas, enterradas em meus ossos, que era pra não quebrar nem aparecer nem ter cheiro ou cor ou algo mais que deixasse vestígios. desespero que nascia do medo de eu não ser o único naquele quarto – vozes apareciam ao cair da noite, obrigando-me a ficar ali, quieto e em vigília – para que assim pudesse extirpar, no nascedouro, meus sonhos.

quinta-feira, novembro 19, 2009

fragmento

.
.
a culpa nas mãos dos homens
ei-la aqui, envelhecida
arrastando sua carcaça pela casa
desmemoriando em minhas entranhas
o caminho a ser proscrito

malograda e inoportuna
reconhece meus assombros
e transfigura-me em rancor
ao repetir a si mesma
infortúnios

você dirá que eu mesmo a criei
e a alimento com sobras do que um dia foram sonhos
mas dela eu fujo e busco refúgio
porque todo homem precisa temer
algo ou alguém assim tão límpido

[nela sou o nexo]

dela, minha escuridão
.

segunda-feira, novembro 02, 2009


ao carlos besen


I

dissera a cor do primeiro silêncio

ter nascido da chuva

e que toda chuva é feita de lágrimas

e que cada lágrima sepulta um sonho

porque deus negou aos anjos

o sorriso
.

II
.
entendes agora

o canto que encerro em meu peito

o adeus que maltrapilho em meus olhos

os pássaros que inverno em meus ossos

o desmundo que me enraíza

ao medo?
.



domingo, outubro 25, 2009



para a angela

atormentada
cerzia pequenas flores
murmurando coisas ao ontem
enrugado pela dor
que sob a pele erguia em sepulcro

segunda-feira, outubro 19, 2009


.
achavas que a morte
era perda
tudo o que não teremos mais?
.
.
descobre então, doce irmã
sê-la aquilo que fica
nada que possa retornar...
.

sexta-feira, outubro 09, 2009



quando tem início a madrugada
o medo cresce desordenadamente
levando meu coração
a abrigar-se em lugares
que mal sabem de mim
.
então vem o silêncio
lugar onde nem deus ou anjos
ou aurora alguma irá me alcançar
porque nada há para temer
a não ser a quem chamo de eu

quarta-feira, setembro 23, 2009


olha às mãos enrugadas
temeroso
por finalmente ter descoberto
tantas marcas assim
não poderem ficar impunes
agora que o tempo de si tomou posse
e cada segundo adiante
sepulta-lhe
as cantigas de onde nascem os sonhos
.
.
.
.
[exatos cinco anos do vomitando imagens
lugar silente onde escrevo
aquilo que me devora]

sexta-feira, setembro 18, 2009



esses homens
há culpa em suas mãos...
.
.
ei-los aqui, sujos
ecoando frases vazias
maquinando na minha cabeça
o eixo a ser seguido




furiosos e sãos
abrem todas portas
quando chego
e ficam estáticos
diante de mim
espiando...




você dirá que eu mesmo os invento e nutro
mas neles creio porque todo homem deve crer
em algo ou alguém
que não esteja limpo




deles sou o foco




eles, minha redenção

sexta-feira, setembro 11, 2009


[estranho-me]
são teus braços-mulher
a me possuir
embora lute-me
porque corpo
homem sou

[escondo-te]
nas muitas que deito
a me bipartir
embora minta-me
quando corpo
ereto sou

quarta-feira, setembro 02, 2009



mamãe morreu aos trinta e três anos
e eu ainda vivia-me infância
quando vi meus brinquedos entristecerem
porque eu não conseguiria mais brincá-los

mamãe morreu num abril distante
fazia uma tarde cinzenta
que logo virou chuva forte
o que alguém disse serem anjos chorando

mamãe morreu em silêncio
deitada em sua cama
no quarto que tanto me faz falta
pois não mais tenho um lugar chamado casa

mamãe morreu uma morte arrastada
que sobre ela voraz debruçou-se
sem deixá-la futuro algum
embora dissessem que deus por ela esperava

mamãe morreu faz tanto tempo
que sua voz de mim parece fugir
também seus olhos castanhos e tenros
nos quais menino feliz eu me via

mamãe morreu e eu não disse adeus
mamãe morreu e eu não soube chorar
mamãe morreu e eu enterrei tantos sonhos
e ainda hoje pergunto onde deus poderia estar

segunda-feira, agosto 03, 2009

I

quantos há de mim
se não sou meu próprio musgo
as águas barrentas deste rio
que me navega a esmo
quando desisto de sonhar?

[meu corpo é erosão...]


sexta-feira, julho 24, 2009


sem dizer
a quem tocaria
deixou-nos infortúnio
e luto
.

pois destino é esmo
rumor eviscerado
feito os amanhãs que de ti
desconhecerei
.

embora saiba
sermos do ventre o avesso
porque arremedo de homens
.
[parimo-nos]
.

cala-te então
carne da minha carne...
o tempo do medo
findará
.

e girassóis hão de tingir
de azul a última noite
levando esses demônios
.

[embora daqui]
.

sexta-feira, julho 17, 2009


meus mortos
eu não os entendo...

por que ficam
naquilo que sonho
quando sequer suas vozes
ou um débil traço de memória
acalenta-me sempre que deles
sinto o pesar?


meus mortos
eu não os tenho...

porque ficam
entremeados a quem serei
quando percorrem meus caminhos
revisitando meu destino
entregando-me ao ocaso
e à míngua do luar

quarta-feira, julho 08, 2009


ao lucas M.



aquarelo histórias em segredo
e porque nelas sou feliz
guardo-as numa gaveta bem pequena
[para que ao envelhecer]
meus filhos possam contá-las

os presságios de deus pouco importam
se ao dormir minha mãe beija-me a testa
deixando comigo seus anjos da guarda
[e eu já não temo mais]
o dia em que morrerei

poeto histórias que não vivi
e porque nelas serei novamente criança
aninho-as à sombra de girassóis
[para que ao morrer]
meus filhos possam sonhá-las

a crueza de deus pouco importa
se quando a dor chegar faminta de tudo
da tristeza eu fizer rio infinito
[e assim partiremos mundo afora]
nos barquinhos de papel feitos por meu pai

domingo, junho 28, 2009


outra noite
aborto ao máximo a chegada do sono
digitando palavras a esmo
[ou simplesmente]
sentando em frente ao monitor

- as costas doem
os olhos pesam...

sem que nada desocupe
a certeza de ser o amor uma coisa vazia
e que teu sorriso aqui e acolá
é desmemória infectada pela dor
.

sexta-feira, junho 19, 2009

fragmento


o céu

já não alcança a encosta do mar

murmurou o ancião dos ombros caídos

ao afastar-se da multidão assombrada

daquela cidade nascida no meio do nada

(veio tempestade

prenúncio de centenas de línguas partidas pelo ódio

e inundadas pela fome das palavras-ruídos

que aos homens desfeitos sob a imagem de anjos

imprimiu a marca irrevogável do medo)

terça-feira, junho 02, 2009

um deserto
pouco a pouco
devorando tua ausência
.
onde
nada mais parece existir
.
só o silêncio
.
[o silêncio]

sexta-feira, maio 08, 2009

fragmentos de um livro por vir

antes do mar, a chuva
e de cada gota que caía
crianças vestidas de sol

sexta-feira, maio 01, 2009

fragmentos de um livro por vir



TOMO I

(AURORA)


a carne
fez o verbo
– signo tempestuoso –
saliva e carvão


.

.

e vieram sombras
[e por dentro das sombras]
restos de luz
tecidos aos pares
impossíveis de sustentar


.

.

dobradura, o tempo
rabiscou eternidade
donde fugiram pirilampos


assim fez-se a primeira aurora
prenhe de céu
tecelã distraída do mar

quinta-feira, abril 23, 2009


perfuro a realidade
[busco sonhos]
onde sonhos não há

terça-feira, abril 14, 2009

[travessa do chaco número cento e setenta e dois
– ali moravam
a avó: conhecera vargas pessoalmente e disso orgulhava-se; mais tarde seria vitimada por um acidente vascular cerebral
o menino loiro: sonhava ser lennon ou barrett; adulto, mero advogado beberrão e insone
a criada: gorda, negra, sorridente e servil; terminará seus dias sozinha
o tio: ridiculamente histérico, afeminado e flácido
ali, as portas rangiam, o teto tinha goteiras, as paredes dos quartos e da sala há muito não eram pintadas
imune a todos, ana preta
a gata que escolhera aquela família como destino –
belém, 6 de janeiro de um ano qualquer.]


ana preta morreu
a gata angorá
que andava pelos corredores
daquele casebre e de todos sabia
trevas e demônios
agora
não os pode calar

sexta-feira, abril 10, 2009

era feita de carne e osso não era esse arremedo de mulher escondido sob tanta amargura desconfiança melancolia e desamor que pune a si ao enumerar forçosamente cada detalhe da madrugada onde tudo começou [aje desta maneira todos os dias exceto aos domingos quando finge estar em paz] porque não pode esquecer primeiro ter escutado o barulho de passos encurtando a distância entre os quartos seguido pelo ranger da porta que espantou pra sempre o seu anjo da guarda [por isso mais ninguém ouviu aquele sussurro ordenando que ficasse bem quietinha] e assim ficou a madrugada inteira sem saber que outras madrugadas ainda viriam deixando pra trás um silêncio sem nome [de lá pra cá perdeu a conta de quantos consigo deitaram fantasmas que foram] sabe apenas que nenhum será tão sujo mentiroso e assustador porque aquelas mãos a conheciam desde criancinha [e se antes aqueles abraços traziam proteção e segurança hoje são abismos de onde não saberia mais voltar]

terça-feira, abril 07, 2009



tu me sufocas tua presença é sombra quarto vazio que não consigo desocupar por isso de uma vez por todas é hora de dar um basta preciso de distância de um lugar livre da tua superfície você dizia com uma convicção aterradora enquanto eu continuava o processo de transfigurar qualquer sinal de emoções em paisagens habituais momentos já vividos perguntas já respondidas reações já sabidas nada de riscos então porque só assim saberia digerir a culpa que repetias ser apenas minha esquecendo que houve um instante um gesto um ponto onde a verticalidade enganosa da felicidade nos fez tropeçar naquilo que críamos ser amor e que agora adoece diante de nós ar rarefeito que é.

quarta-feira, março 25, 2009

são paulo


o esqueleto dessa cidade
[tão grande, meu deus
....................................... tão grande]
.
é feito de pessoas
que sorriem ao contrário
e remoem terços de mísera fé
sentadas em cadeiras de balanço
frente a janelas fechadas
nascedouros de horizonte algum

sábado, março 14, 2009

I
à sombra do homem
respiro-me árvore
raiz no solo do medo que sou

II
reconheço-me no murmúrio distante
dos pássaros que entre a aurora e a tristeza
em busca de abrigo aqui chegarão

sexta-feira, março 06, 2009


I

contenho a perda de mim
atravessado pela febre gaguejante
dos cimos nus ao meu redor

II

mortos pai e mãe escapo-me filho
sou um barbante enrolado
no dedo magrelo de deus

III

despertos medo e ternura avanço-me resto
sou o risível costurado ao perdão
que jaz estampado nos olhos de deus

quinta-feira, fevereiro 26, 2009


há medos refugiados
em minha cabeça

[envelhecem sorrisos
daninham sonhos
consomem vida
onde vida há]

não sei o que fazer
para evitá-los

[tem meus olhos
tem meu rosto
me chamam pelo nome
gostam de mim]

domingo, fevereiro 15, 2009


a carne
pariu o verbo

o verbo
negou a carne

[e fez-se verdade
aos olhos medrosos
da razão]

terça-feira, fevereiro 10, 2009

contaminado fui
pela sua felicidade
você amanheceu-me
primavera e girassóis
arrancou a casca do medo
que voraz me sufocava

você acreditou no menino
de olhos castanhos
e mãos de chuva
que o adulto em mim
ano após ano
lentamente assassinava

mas agora partes
as ruas ficarão desertas
os sonhos ficarão vazios
as noites se farão eternas
e o amanhã talvez não diga
o caminho para te alcançar

segunda-feira, fevereiro 02, 2009


cantiga ao vô nicolas


in memorian


a doce vó sorriu um sorriso mudo
éramos domingo e a tarde em céus púrpura findava
quando vi em seus olhos mareados
a saudade trazida por aquele último adeus
e o alívio de quem em fim descobre
um fantasma pesar menos do que quando vivo

terça-feira, janeiro 27, 2009


após um daqueles momentos nostálgicos que respingam reflexão fechamos a porta do quarto e você vem com respostas sucintas que nada dizem de fato e olha pra mim com esse olhar que abisma a procurar desesperadamente um chão como se eu que sequer tenho raiz pudesse ser chão margem limite paragem às tuas aflições pouco claras nessas respostas pensadas ruminadas medidas por isso mesmo não as aceito quero é descaminhos a levar-nos pra lugar algum desde que dentro da gente pra dizer coisas das nossas entranhas mesmo que não haja ninguém a escutar ou fazer eco ruído perturbação qualquer capaz de indicar companhia portanto sem respostas diretas porque entender isso de ser feliz não é coisa que valha a pena ou você realmente acha que iríamos descobrir algo que não um punhado de aconselhamentos daqueles tantas vezes ditos por nosso pais ou lições de boas-maneiras ou um amontoado de comedimentos no que retrucas não se tratar de entender isso de felicidade porque a felicidade está tão clara que nem precisa de explicação porque a felicidade não cabe na razão então percebo estares mais uma vez jogando e te roubo as cartas pra ficares desnuda sem poder fingir já que pra você o fingimento sempre deu resultado mas pelas minhas regras hoje só haverá intempéries e será dessa maneira do meu jeito com as minhas regras sob o meu comando e não me venha com balelas porque teus contos de menina mimada não cabem aqui onde há sorrisos e lágrimas tantas tudo misturado acontecendo ao mesmo tempo a ponto de a felicidade novamente a felicidade e demais momentos de solidão euforia e tristeza emergirem de forma tal que não saberia adjetivá-los aqui nesse quarto em ebulição que cresce de forma insuportavelmente asséptica deixando-me distante de mim e mais ainda de ti a quem tanto amo e eu amo tanto você eu preciso repetir que amo você e dizer que tuas mentiras são menores que as minhas e que teus medos sempre nasceram dos meus e que não há tristeza maior do que te ver triste portanto deixa que eu te abrace não precisas dizer mais nada eu sei as respostas inventei-as pra sermos de novo quem fomos ou algo próximo disso porque é natal e isso deve significar alguma coisa e lá na sala todos sorriem trocam presentes felicitações e se é certo que eu não tenho coragem alguma pra sair daqui deixando essa vidinha adoravelmentesegura&confortável para trás também é verdade que nem tu sairias nem ninguém que eu conheça sequer saberia pra onde ir posto haver algo de cíclico sazonal algo de bumerangue mesmo em nós todos que quando crianças éramos estilingue e nuvens e céu e chuva e musgo e pedra mas hoje somos pedregulho uma coisa estática pesada deveras arrastada mas e se eu fosse ao menos tempestade tu serias ventania e com um relâmpago cravado nos dentes sumiríamos com todos que nos rodeiam mas nem todos porque é natal e essa noite dizem ser noite feliz

quinta-feira, janeiro 22, 2009

o sono não é capaz de me vencer
......................................repito

fixando os olhos ao que há lá fora
pra que sejam os teus passos
.............................................

........................e não os ruídos
..............................................

doutro amanhecer empalidecido
>>>>>>>>>>>>>>>>>
..................................a chegar

terça-feira, janeiro 13, 2009

à ana/marie/carole

acreditava que era possível
preencher o tempo
de uma pausa

[por isso os olhos gritavam]

desenhava ruídos
por dentro dos ossos
esqueleto feito de dor

[porque assim não sangrava]

repartia o medo
entre os mortos
encarnados em de si

[uma só vida não lhe bastava]

depurava virtudes
manipulando a razão
ao buscar o que nem sabia

[emprenhava-se enquanto vagava]

ontem pude vê-la pela última vez
tinham-lhe os olhos calado
a louca dos pés descalços


terça-feira, janeiro 06, 2009


in memoriam

celebro-te
não nestas noites povoadas por medos
que me impedem o sono
e só abandonam-me ao amanhecer
porque assim o querem
porque assim voltarão

celebro-te
não com estes olhos cansados
que me turvam os horizontes
e devoram-me naquilo que falta
porque assim os fiz
porque assim cri

celebro-te
na criança que sobreviveu ao homem
nos sonhos que brincam de chuva
nas aquarelas que cirandam memórias
nos girassóis que alvorecem poesia
no teu amor que eu sei logo mais virá

mãe.

quinta-feira, janeiro 01, 2009

meus demônios
soube enterrá-los
ao cair da última noite
desse ano acinzentado
que hoje chega ao fim

meus demônios
rodearam-me os caminhos
com passos roubados da terra
e promessas sussurradas
ao nascer do sol

livre deles
desabriguei-me de medos
azulei as noites sem pálpebras
cindi as amarguras silentes
expurgando virtudes e crenças

meus demônios
já não os tenho comigo
e se hoje desconheço o destino
que aos meus destinos sobreviverá
amanhã serei eu o selo a me bastar