quinta-feira, outubro 12, 2006


chega o poeta, de pé
já não se nutre das memórias
e percorre com lucidez
os vestígios de si mesmo
milimetricamente sufocados
(a dor ficou enterrada no tempo)

entregue ao fingir, árido
dispersou sem dó as cantigas
que um dia sua mãe lhe ensinara
trancando-se nas cores vazias
daquela envelhecida caixa de lápis
(a vida ficou de todo alijada)

refeito em disfarces, são
regressou à primavera
alimentado apenas pelos restos
dum hoje que sobrevive em seus ossos
covarde, frio e limpo demais
(o amor soube-se exemplarmente amputado)

10 comentários:

m.t. disse...

decepado o amor
restou do poeta
o túmulo vazio
aprisionando a alma rija
do homem que tinha os olhos secos
porque não sabia chorar
e o coração duro
porque não lembrava como
amar
e sorrir

Anônimo disse...

Que pena...Ou será, que bom?

Cláudio B. Carlos disse...

Muito bom!

Anônimo disse...

A covardia, fria e limpa, não só amputa o amor, como delimita o território da saudade.

Versos de artífice, Douglas.

Um abraço

Cristiano Contreiras disse...

Eu já sobrevivi em ossos plenos...


abraços

Menina Marota disse...

Ao ler o teu poema, ocorreu-me um Poema de que gosto muito. Aqui te deixo com um abraço:


"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração."

(Poema de Fernando Pessoa)

-drika amaral disse...

mas decepando o amor o q resta do poeta?

Anônimo disse...

A vida escorre, perdas, amores, ossos, fogo. Para o poeta o verso são cinzas do tempo, e o seu sopro o sol da memória. Belo e visceral, Douglas.

Anônimo disse...

Aqui também não

tb disse...

mas tu, poeta aprende e não deixes que percas a capacidade de sorrir...
deixo-te o meu sorriso