
segunda-feira, novembro 28, 2005

quinta-feira, novembro 24, 2005

l
ú
c
i
a
s
demais. não, não há nada, nada que se compare aos primeiros raios do sol invadindo o meu quarto e me fazendo lembrar das próximas horas a serem riscadas do meu calendário de um ano só calcificado em doze partes – horas marcadas num relógio feito duma descrença viva a crescer desordenadamente após cada tropeço meu.
é de madrugada que a carne, a maldita carne me inunda de desejos e me faz querer sempre tudo de ti, sempre mais e mais da perversa embriaguez dos teus sentidos, da selvageria nua dos teus instintos, dos pecados delirantes dos teus fluidos; mais das tuas ancas e seios, mais dos teus pêlos e pele, mais dos teus lábios e nuca, tudo assim, exageradamente demais, desmedidamente demais, freneticamente demais,
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p
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demais. não, nada é tão verdadeiro quanto os meus segredos postos, as minhas cartas marcadas, os meus amanheceres selados pela tua presença dentro de mim – patético e furioso, batizado pela chuva miúda que desce pelos tetos desta cidade deserta, sou um homem convulsivo e viciado em ti. rastejo aos teus pés abaixo de cão.
segunda-feira, novembro 21, 2005

quarta-feira, novembro 16, 2005

domingo, novembro 13, 2005

quinta-feira, novembro 10, 2005

lembro dentro da minha alma quando numa tarde ela disse a nós dois, no quintal de casa, debaixo do jambeiro florido, que não queria nos dar trabalho e que sofria por estar causando aquilo tudo. nenhuma palavra saiu da minha boca. meu coração sentiu toda a dor do mundo num só golpe. descrença furiosa. fé inabalável. nesta tarde eu inventei um cantinho em mim pra ficar imune. porém, acima de tudo, havia a presença radiante da minha mãe. as canções de ninar. os abraços. os sorrisos. havia amor. havia banhos de chuva e os ralhos que ela nos dava. aprender a tabuada e os afluentes do rio amazonas. aprender concordância verbal e acentuação. eu amava aprender sobre ciências. sobre insetos. meu irmão odiava estudar. preferia brincar, correr, suar, e jogar futebol, no gol. guardo fotos desse tempo. fotos guardam memórias e lugares. mas não cabemos nelas.
não sei qual o dia, mas eu voltava do cinema com o meu irmão e uns amiguinhos do bairro e estávamos todos sorrindo e o céu estava azul e tinha nuvens que brincavam de serem carneiros e tinha o cachorro da esquina que sempre latia e corria atrás da gente quando passávamos de bicicleta. naquela tarde foi diferente. quando chegamos na nossa rua, de longe, pude ver um movimento estranho na frente de casa. eu sabia. eu soube de imediato e caminhei muitos passos infinitos que eu jurei que nunca iriam terminar pra que tudo permanecesse como num sonho. bem antes dos passos alcançarem o infinito, minha tia e minha avó me abraçaram e disseram que minha mãe estava morrendo – em coma, acho que era isso. teria eu dito uma última palavra, dado um último beijo, sentido um último abraço? descrença combalida. fé destroçada. ódio de tudo. e silêncio no coração.
as lembrança que tenho são confusas. parentes orando, parentes dizendo “douglas, fala com a tua mãe, ela pode te ouvir”. “fala com ela, diz que tu a amas”. mas a minha mãe estava lá, deitada, imóvel, no quarto dela que era tão nosso e tão cheio de vida. “fala com ela, ela pode te ouvir”. eu falava, mas as palavras sequer saiam da garganta e eu chorava e as lágrimas sequer escolhiam onde cair e eu via meu pai a ela agarrado em desespero e meu irmão e minha avó e meu avô e minhas duas tias e meu tio e meu primo e via orações serem entoadas e via a tarde ficando poente e a cadeira de embalo estava vazia e eu sentei e quis de volta o meu canto onde nada poderia me tocar. descrença e fé. “fala com ela”. e minha mãe morta. “fala com ela”. e minha mãe sendo colocada no caixão. “fala com ela”. e o túmulo sendo fechado. “fala com ela”. e eu nem pude dizer adeus.
antes do enterro lembro ainda que estava em casa sentado na cadeira de embalo olhando a minha mãe ali, deitada, quando vi o que era a morte. eu pude escutar um suspiro que seria o último. tudo terminou num instante. num único instante. a vida continuava. eu estava respirando e as pessoas tinham movimento e a porta da sala estava aberta e eu apareci no meio da rua e disse pros coleguinhas que minha mãe tinha morrido e fiz questão de não deixar nenhuma lágrima ou emoção aparecer. eu precisava fazer de conta que aquele cantinho onde nada me atinge realmente existia e que logo mais eu seria adulto e a dor passaria. eu precisava ter fé. descrença furiosa. fé inabalável. eu precisava ser forte e encontrar a estrela cadente que um dia me prometeu que a vida seria feliz, que meus desejos seriam verdade, que a morte ficaria adormecida pra nunca mais acordar.
segunda-feira, novembro 07, 2005

CANÇÃO PRO MEU IRMÃO
- observa o tempo, está a fazer silêncio. algumas palavras sempre escapam, trazendo saudade e uma sensação de incompletude.
- não, nós ainda somos meninos e nossa mãe nos chama pra dentro de casa. Ainda somos felizes e as manhãs têm sol, têm brincadeiras e banana amassada com leite condensado.
- mas, e o tempo? você não percebe? o silêncio nos envelheceu demais, é mentira ainda sermos assim, infância.
- vê meus olhos? vê as cores que minha pele faz vivas? aqui existem girassóis e cantigas de ninar. isso nos mantém vivos e livres da poeira, você não acredita?
- como? aqui faz silêncio, eu já disse. estamos sós neste mundo, cada qual com uma história, cada qual com seus fantasmas. não há telas a serem pintadas. não há abraços a serem dados. não há adeus. não há olá.
nada! nada!
- estamos sós neste mundo?
- sim, completamente sós.
- o tempo.
o silêncio.
as palavras.
a saudade.
a incompletude.
- e a nossa mãe não pode mais nos chamar pra dentro de casa.
sexta-feira, novembro 04, 2005

amanhã,
serei um sopro solto sob o sol
pedaço de mim mesmo misturado ao acaso
um olhar vadio
um terreno baldio
um sentimento calado
amanhã,
serei as asas da graúna dos contos infantis
cortina envelhecida nas falhas da memória
um resto de homem
um pouco de fome
um hematoma, e só
amanhã,
são meus os dias inglórios
as despedidas que não tive
os remorsos que não pude
as manhãs que invento
sóbrio de ti