
SILÊNCIO UM
não entendia muito bem os silêncios da minha mãe. nos fins de tarde, havia sempre um momento de solidão, um olhar que saltava ao horizonte, um movimento contido das suas mãos a escovar-lhe os cabelos enquanto, sentada, parecia mergulhar mais e mais em si mesma a cada fio roubado pela escova. imaginava o que diziam os silêncios da minha mãe. não havia lamentos, mesmo com toda a dor trazida pela sua doença – as doenças são nossas, são pertences desde sempre habituados conosco; nós as possuímos em suas quietudes e a elas sobrevivemos, até chegar o dia em que, fartas de tanto comodismo, resolvem nos expulsar, como quem enxota ruidosamente um agora inútil hospedeiro, satisfeitas por alcançarem o sentido da existência. perto da morte, não havia tristeza nem esperança nos silêncios da minha mãe.