sexta-feira, fevereiro 03, 2006



O grito engolido pausadamente em frente ao espelho – a delimitação do espaço; o remoer do enredo; a estética do vazio. A carne, embrutecida por anos e anos de mudez e retidão, já não é capaz de responder às tuas súplicas e tu bem sabes que orar é ineficaz nestas horas.

[lembras da tua mãe e das intermináveis dores de cabeça que a assolaram até a morte;
lembras dos sorrisos que ficaram pra trás,
distantes do toque da memória;
lembras que a vida se prometia eterna
quando as estrelas cadentes brincavam de sonhar
nas tuas noites de menino]


Teus olhos vagueiam sem olhar ao que fica e ao que vai – é a vitória do nada.
Tens mãos ressequidas e desprovidas de horizonte – é o júbilo da expiação.



Está tudo aqui, nesta madrugada encharcada e úmida – teus soldados de chumbo; tua colcha de retalhos; teu chapéu azul. Existe a tela d'um monitor crivando o que escapar à dor, tua frágil e irrisória sensação de alívio. O gosto amargo da alma desossada é aquilo que a solidão te reserva quando a esperança vomita lucidez nos teus orifícios. A lucidez a te invadir. A lucidez acreditando em ti.

[lembras dos rostos repentinamente vazios que passaram a te habitar a
ossada;
lembras do aviãozinho de papel que ganhou o azul do céu,
pra inalcançável não mais voltar
lembras que a primavera tinha o rosto de deus
quando o sol em segredo te disse
que toda dor iria passar]


Existem rumores de que você sonhará cata-ventos – é a ressurreição do espantalho.
Existem cochichos de que você trará os girassóis de volta – é a sagração da infância.



Homem feito de sobras,
as paredes do campanário
devoram o medo
e mortificam os passos errantes
da purificação

- é preciso limá-las
as paredes
lenta
e
pacientemente
para enfim
ser possível
alcançar
o lado de lá -

15 comentários:

Anônimo disse...

É nua e crua a verdade que nos reserva um momento de lucidez...

Muito, muito bom!

Anônimo disse...

este texto me deu um medo...como uma invasão!
às vezes fico pensando no porquê de continuar...já que tudo acaba...
um beijo

Anônimo disse...

Homem feito de sobras sonhando cataventos e trazendo de volta os girassóis.
Fevereiro começou trazendo esperança e lucidez!
Brindemos!

Anônimo disse...

li, reli e fiquei com o nó na garganta...deixo-te um pequeno pensamento ao qual chamei
"alquimia da natureza"
No teu campo de girassóis vou colher o pólen para o transformar em mel...
porque acho que a natureza nos ensina tudo o que necessitamos entender...
está lá, convido-te, pois serás sempre bem vindo!
Beijinho de mel
teresa

Kimu disse...

na ventania, os cata-ventos.

Anônimo disse...

quanta dor, quanta angústia, quanta beleza!!

Um abraço

Claudio Eugenio Luz disse...

Meu caro Douglas, destila paisagens finitas para um mundo, não obstante, deveras teimoso.
.
parabéns pela sagacidade
.
hábraços
.
claudio

Claudio Eugenio Luz disse...

Meu caro Douglas, destila paisagens finitas para um mundo, não obstante, deveras teimoso.
.
parabéns pela sagacidade
.
hábraços
.
claudio

marcia cardeal disse...

primeiro: OBRIGADA pela força, carinho e paciência...aprendi finalmente a lidar com aqueles códigos! e agora, parabéns novamente pela intensidade sempre nas palavras...!fico sem fala.
abraço..

Rubens da Cunha disse...

poema andante, gritador.
começa largo e termina tênue, com um desesperançado 'lado de lá'.
pra variar, mais um que me arrebentou.

Conceição Paulino disse...

cheguei aqui através do quintal (ou será jardim) de um amigo. Belo poema, d efôlego e torpr k causa. Da revolta ou .....,como designar, á mansidão da palavra.
Bjs e bom restito de semana

Cláudio B. Carlos disse...

Oi Douglas!

Precisamos limar, sempre.
Muito bom!

*CC*

Anônimo disse...

Gosto tanto do que escreves que coloquei um link do seu blog no meu.

http://na_coxia.zip.net

Abraços e apareça!

Lua em Libra disse...

"lembras que a primavera tinha o rosto de deus
quando o sol em segredo te disse
que toda dor iria passar"

Nossa, Douglas! Que força e quanta doçura nesta imagem. Admirável.

Parabéns, adoro o que escreves.

deep disse...

o espaço infinito entre o corpo e o espelho...a distancia de quem o sabe medir na profundidade das palavras...e dos silencios