SILÊNCIO UM
não entendia muito bem os silêncios da minha mãe. nos fins de tarde, havia sempre um momento de solidão, um olhar que saltava ao horizonte, um movimento contido das suas mãos a escovar-lhe os cabelos enquanto, sentada, parecia mergulhar mais e mais em si mesma a cada fio roubado pela escova. imaginava o que diziam os silêncios da minha mãe. não havia lamentos, mesmo com toda a dor trazida pela sua doença – as doenças são nossas, são pertences desde sempre habituados conosco; nós as possuímos em suas quietudes e a elas sobrevivemos, até chegar o dia em que, fartas de tanto comodismo, resolvem nos expulsar, como quem enxota ruidosamente um agora inútil hospedeiro, satisfeitas por alcançarem o sentido da existência. perto da morte, não havia tristeza nem esperança nos silêncios da minha mãe.
12 comentários:
meu querido: comovente!...temos algo em comum: o silêncio de nossas mães
Acho que pouca gente entende os *meus* silêncios.
foi a palavra mais bonita que li nestas tardes cansadas. só me deu medo de ser explusa. antes. mas está lindo. bisou.
Há silêncios se são gritos!...
beijos
ups que e não "se"
O silêncio e os silêncios, Douglas, sempre eles em nós e em torno de nós. Belo texto.
Delicada beleza nas suas palavras...Beijo
depois que mãe se cala, restam poucos sons para se compor uma fala...
alguns silêncios gritam para sempre. bj
o silencio sao palavras vazias.
as palavras vazias sao doenças.
doenças são espécie de castigo.
castigo pelos silêncios nossos e dos outros.
por isso escrevo, grito, falo, uivo
o silencio me condena.
abs
[jb]
...O silêncio filtra as memórias que nos assombram.
Que forte, Douglas, teu texto.
Fez=me lembrar maternos silêncios, resignadas vontades, segredos outros...
abraço, volto a ler-te como quem se desafoga.
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