O som da chuva despertando saudade, armando pequenas ciladas que afagam as memórias há muito guardadas nas caixas de papelão [é a carne retomando seu lugar, a insanidade num repente absolutista.] Por todas as minúcias desta tarde que finda, seguirei sem medo. Posto a vida e lanço os dados - o acaso certifica minha incongruência medrosa, sou assolado pelos dizeres do vento. Crescem em meu peito raízes famintas – quero seiva e perdição. Este lugar não me pertence – meus deslizes são viscosos, minhas máscaras meticulosas são. Peço calor ao inverno que chega. Preciso de sombras quando sei da imensidão.
quinta-feira, março 31, 2005
terça-feira, março 29, 2005
Percorri a distância entre o quarto e a sala um sem número de vezes, de forma tal que, o tempo entre uma sístole e outra me pareceu diminuir a cada passo – se antes conseguia detalhar cada lembrança aprisionada nas mobílias, agora, encontro-me perdido diante do medo de não diferir aquilo que é vulto do que apenas se sustenta vivo, indócil maltrapilho. Do amor que subsiste em meus nervos, pinço a suavidade das palavras que sabem o segredo das alvoradas bretonianas – o sol rouba seu calor do peito de cada criança que amanhece. Sinto a sanidade inflada nas minhas artérias, achatando o limite da minha insensatez – não escapo à tirania do fracasso [saberei do amargo peso dos sonhos que partem, feito anjos covardes que respiram a candura da noite, mas se retiram antes que tudo possa chegar ao fim]
domingo, março 27, 2005
Ouço, afastado, o sol crescendo nas paredes, ocupando cada fresta, cada espaço antes empalidecido – as regras não permitem fuga [sou um homem qualquer vestido de falsas lembranças, um homem cercado de dor e desesperança] Queria puxar as linhas do meu destino como se fios fossem – livrar minhas mãos de horizontes tão enfadonhos [luares sem pirilampos, calçadas sem crianças a brincar] Mastigo meus delírios num repente de agonia e êxtase – eis o fazedor de imagens desperto quando parecia definhar [meus olhos castanhos,minha boca avermelhada, meus dedos sujos de fé]
E ninguém lembrou do enluarar azulado, que naquela distante cidade cravada no meio da floresta, fez do menino, passado – um eco destinado a não morrer, porém, vazio pra todo o sempre. Nele adormeceram as estrelas cadentes, tornando um sonho qualquer, impossível de sonhar. O que dele hoje sabemos já não mais importa diante dos fatos – as manhãs nasceriam todas, abortadas.
quinta-feira, março 24, 2005
Dança. Que teu corpo alcança o infinito – olhos estendidos sobre nuvens e chuva [a ágil demência das tardes que lambem o luar] Nas tessituras do destino, estamos nós eqüidistantes – feito sons que não ecoam diante do imperativo [o leve torpor dos deuses de si esquecidos] Dança. Que teus sonhos transbordam o que ainda vai ser dito – seios desnudos alimentando de rios, o mar [as mãos tateando linhas afloradas pelo descaso do tempo] Nas margens do amor, estamos nós amotinados – feito cores que não descobrem o que há no fim do arco-íris [os precipícios da carne inescrupulosamente amanhecidos] Dança. Que tuas piruetas inventam outro palco ensandecido – ancas vorazes arrancando do medo, amor [vida que sorri imagens que não cansam de encantar]
quarta-feira, março 16, 2005
Desfaço-me na metrópole cercada de rios. Tenho meus dias contados, num crescente abandono de fé e quedas – meus vôos me levam ao abismo, onde o ar expele cores abafadas e não há lugar para salvação. Minhas poesias são arremedos pretensamente bem articulados [palavras vestidas com uma dor disfarçada – Falsa! Enganosa! Dor feita de mim. Uma dor desnutrida. Dor que demora a sangrar] Estou perto demais da distância que escorre pelas memórias, perto demais [o cheiro dos corpos em êxtase agora é implacável tortura] Amaldiçôo pra todo o sempre o luar que pôs em mim os teus olhos – maldito luar que num repente veio te apagar, deixando um vazio cirúrgico que não me permite amputar as tuas marcas.
terça-feira, março 15, 2005
Quis alcançar o minúsculo– memórias esquecidas debaixo da pele. Aproximei as margens, pus o foco nas entrelinhas, teci um fino fio sobre meus medos – cenas de um dia que por mim passou indiferente [eu, por ele, passei arrastado] Os pesadelos que não viram sonhos. Os sonhos que não cansam de definhar– precisam de pílulas estranhas a injetar-lhes cor. O tempo feito de gotas torturantes. As horas contadas na forma de leitos sem odor. Madrugadas encerradas em si mesmas. A solidão crescendo nas vísceras. As partículas. O ínfimo. Aquilo que não podemos arrancar.
segunda-feira, março 07, 2005
Todas as manhãs que sejam azuis, rejeito – azul cor de nuvens. Felicidade é um estado de estagnação que costuma invadir artérias, trazendo sorrisos que nunca serão eternos – essa mísera ilusão chamada eu e tu. A pele cicatriza depois da alma quando o corte é profundo- eis o passo que falta pra desfazer-me poesia.
sábado, março 05, 2005
Rastejo a lucidez da sexta-feira [infectada alma, alma escorrendo parede abaixo] Colados ao coração, selos sem destinatário – meus dedos digitam outras linhas na palma das mãos [acredito que assim, escape] Docemente, desfazia-se das dormências do desuso – faltou-me pouco para alcançar o gosto do sol. Durmo com estrelas amargando-me a boca.
Mortalha solta na madrugada – as palavras escapam da tua cena. A matéria doente fere teus ouvidos – ruidosa é toda dor, mesmo a que emudece. Teus ossos aos meus inscritos, feito nó que não se desata – vestígios da loucura, eram nossos os sorrisos de chuva. Não morras mais dentro de mim – dá-me teus sonhos pra sonhá-los nanquim.
Ávido por distância – a distância que deixa tudo aparente. A sangria de corpos aquietados – cores espalhadas deixando o quarto atabalhoado de tanto descrer. [o futuro encerrado, quando visto por dentro, parece oco.] Existe uma pureza ríspida nas roupas quando abrigam memórias fúnebres – o cheiro da perda esmiúça a alma e te inclina sobre a morte [uma trilha que aos poucos se apaga, consumida pelo fulgor das chuvas que brotavam pedras na infância.] Fronteiras. Limites. Escrevo imagens que me assolam. Não fujo da complacência desta dor que insiste – março é um mês intranqüilo. Outros meses virão.
quinta-feira, março 03, 2005
Ninguém lembrou das memórias brancas, cilíndricas, afásicas, assolando o coração. Posso descrever cada minúcia dos dias destelhados, dos olhos feitos de névoa – a cidade nunca soube o que era inverno, mas os olhos fingiam. É a acolhida da ebriedade trazendo mentiras e indecisão. Um resto de homem em péssimo estado – nem poeta, nem louco, nem insone [ocorre-me o sol poente – são escassas as minhas auroras.]
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