sexta-feira, setembro 29, 2006


anjos possessos
consagraram o amém
sob um horizonte feito de cinzas
aos meus olhos desabando

– respirei da primavera
a primeira fagulha
recortando meu destino
diante da relva –


(sonho parido na raiz da aurora)

sábado, setembro 23, 2006


alcanço mais um ano
esfarelo a esperança
impedindo-me de alcançar
o rastro do poente
as sobras de rio
[hoje, sou um rabisco no caderno de desenhos
que nas mãos de menino
outrora fiz nanquim]

sepultadas as cores
poesia transparece medo
diante da morte fielmente postada ao nosso lado
sabedora de que deus nem sempre está
disposto a ocupar-se de nós
[hoje, inicio um ciclo há muito planejado
pra nos escombros do homem
imperar a indiferença]

sexta-feira, setembro 22, 2006

escutas sussurrarem teu nome
mas não há ninguém por perto



louco

quinta-feira, setembro 14, 2006


[Você é capaz de contar as horas que faltam para o próximo amanhecer sem que o peso do olhar divino não assole as tuas certezas de giz? Você consegue dormir em paz sabendo que existem anjos vigiando teus sonhos, prontos a te abraçar quando você menos espera? Quando o escárnio retornar à tua boca e você já não tiver mais forças para vomitar, quem saberá do seu destino? Ajoelha-te em sinal de respeito e silencia o que te traz alegria. Este é o preço reservado àquele que se aventurou a sonhar.]



branco
é dor gotejada
ruído estrangulado
aproximando medo e solidão
do que preservas da esperança
deixando teu corpo mais sensível
às ilusões de preces adoecidas

branco
é pesar anunciado
deus esquelético
escolhendo formas e datas
pra levar antes de ti aqueles que amas
deixando teus olhos marejados
às sobras duma fé carcomida

quarta-feira, setembro 06, 2006



Tinha setenta e nove anos e já não suportava a dor que lhe acompanhava nos últimos trinta e seis meses. No início, deram-lhe algumas semanas de vida – antes fosse, muitas vezes pensou. Não se imaginara terminando desta forma, debilitado e dependente – remédios, parentes, enfermeiras, leitos e, agora, essas agulhas, soros,tubos e o azul...o azul do céu que tanto lhe faz companhia quando a noite chega e as estrelas cadentes não passam, não mais.Da última vez que pôde correr, guarda poucas lembranças(a idade o trai; já não sabe se foi na meninice ou num sonho sob efeito das medicações. De fato, podia ter sido ontem, mas ele não estará lá para saber.) Não rezava mais e mesmo assim esperava por deus ou ao menos anjos quando a hora chegasse. Haveria de ser em plena madrugada, sem ninguém perceber. E só uma, só uma pessoa haveria de fechar-lhe os olhos. Para sempre. Às duas e quarenta e sete fez-se a sua vontade.




já nas entranhas da morte
o que respirava possuía
mais cores sombreadas do que
a tranqüilidade do sofrimento
INTERROMPIDO

seus últimos instantes não trouxeram
sua vida contada velozmente
apenas imagens desaceleradas
agrupadas em blocos rígidos de cores
INEXISTENTES

(não pôde ver sua infância brincada de novo
não sentiu a chuva por entre seus dedos
não reviveu as manhãs de girassóis
nem as noites silentes de espantalho
e não houve deus ou anjos ao seu lado
só as mãos da mulher amada
a fechar-lhe pela última vez
os olhos que soubera castanhos)

sexta-feira, setembro 01, 2006


[Suas mãos sabiam o arrastar do tempo. Reconhecia o desespero, a melancolia e a desesperança pela cor inominada escavada nos ossos dos agonizantes. Não lembra quando tudo começou, mas aceitava como seu destino. Quando criança, chamaram-lhe estranho. Adulto, inventaram-lhe louco. Nas ruas, encontrou o abrigo da indiferença. E moedas, para cumprir a sua sina.]
acolhedor de almas
o velho mendigo
no seu ritual silencioso
repetido dia após dia
sem que ninguém
saiba o porquê
lança a moeda
e espera a resposta



que desta vez não veio



deus


não estava ali


deus


não paga promessas


deus


é o pequeno instante


entre o chão


e a moeda