quinta-feira, outubro 12, 2006


chega o poeta, de pé
já não se nutre das memórias
e percorre com lucidez
os vestígios de si mesmo
milimetricamente sufocados
(a dor ficou enterrada no tempo)

entregue ao fingir, árido
dispersou sem dó as cantigas
que um dia sua mãe lhe ensinara
trancando-se nas cores vazias
daquela envelhecida caixa de lápis
(a vida ficou de todo alijada)

refeito em disfarces, são
regressou à primavera
alimentado apenas pelos restos
dum hoje que sobrevive em seus ossos
covarde, frio e limpo demais
(o amor soube-se exemplarmente amputado)

10 comentários:

  1. decepado o amor
    restou do poeta
    o túmulo vazio
    aprisionando a alma rija
    do homem que tinha os olhos secos
    porque não sabia chorar
    e o coração duro
    porque não lembrava como
    amar
    e sorrir

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  2. Que pena...Ou será, que bom?

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  3. A covardia, fria e limpa, não só amputa o amor, como delimita o território da saudade.

    Versos de artífice, Douglas.

    Um abraço

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  4. Eu já sobrevivi em ossos plenos...


    abraços

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  5. Ao ler o teu poema, ocorreu-me um Poema de que gosto muito. Aqui te deixo com um abraço:


    "O poeta é um fingidor.
    Finge tão completamente
    Que chega a fingir que é dor
    A dor que deveras sente.

    E os que lêem o que escreve,
    Na dor lida sentem bem,
    Não as duas que ele teve,
    Mas só a que eles não têm.

    E assim nas calhas de roda
    Gira, a entreter a razão,
    Esse comboio de corda
    Que se chama coração."

    (Poema de Fernando Pessoa)

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  6. mas decepando o amor o q resta do poeta?

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  7. A vida escorre, perdas, amores, ossos, fogo. Para o poeta o verso são cinzas do tempo, e o seu sopro o sol da memória. Belo e visceral, Douglas.

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  8. mas tu, poeta aprende e não deixes que percas a capacidade de sorrir...
    deixo-te o meu sorriso

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