segunda-feira, abril 26, 2010

não saberíamos viver com memórias feitas de restos, ela disse
naquele poente de domingo com gosto de chuva.
somos Áries, ajudar-lhe-ei a tirar as botas como Laura o fez
e a borboleta litografada voará liberta da parede
dança feita de encantamentos
porque era assim que se via às vezes, como que nascida de um livro
só que não amareleceria, nunca.
então pariu-se fêmea àquele desconhecido
no tapete sobre o chão
ali mesmo, entre as roupas e sonhos do homem que ama
porque a ele negou-se ao entregar-lhe o coração
mesmo desejando dele ser pra sempre, doce mania de querer-se um conto
porque Áries é o signo da solidão
e solidão tem fome de todos
e não sabe devorar a si
e acaba sem ninguém
porque ninguém nos quer, os solitários
mas isso aquele estranho nunca saberia,
porque nus, bêbados de lascívia e de gozo
já perto do anoitecer, a si bastavam.

quarta-feira, abril 21, 2010

.
I
levemos a beleza adiante.
o que restaria?

II
lembro de um dia qualquer
mas especial porque estava contigo
e você sorria como quem salva do tempo a leveza
que esquecemos junto aos brinquedos
empoeirados pelo destino do velho baú
– reinvento dia após dia a minha infância
é a forma que encontro para em mim nada mais partir...

III
ipês brancos, disseram
mas estamos outono e na primavera faço aniversário e não há amigos por perto e meu avô minha tia e minha mãe já morreram e eu esqueci como abraçar meu pai e meu irmão é o estranho que me fiz.
você ainda estará por lá?
ainda saberei do teu cheiro?
teus rastros caminharão o homem que sou em mim?

IV
a beleza que é gratuita
contenta-se com um olhar
um abraço
um adeus, quando for a hora
(convença-me do contrário, tu e as tuas verdades)

V
eu sempre cri nas tuas mãos
nas linhas dos teus destinos que são meus cata-ventos
trôpego e irascível que sou
.
VI
não, não sou eu quem traz as notícias das manhãs domingo
elas são de outros lugares onde sou deserto
cacto que ninguém vê
(durmo aquietado pra não te acarinhar aqui)
.
VII
eu sairia tarde afora com teus pés nos meus descalços
e do teu coração grande demais
bastar-me-ia o não visível
pra do teu sono, ser quem contigo irá despertar

VIII
há no tempo incerteza
errante que somos.

com amor,
d.
.

quinta-feira, abril 15, 2010



debruça-te sobre teu ofício
pormenoriza teus assombros
teus gestos e gestas

abraça-te ao que resta
sonha até o limite dos ossos

revela-te ao outro que te acordas