segunda-feira, setembro 22, 2008

"prelúdio ao homem de palha". (não-livro) tomo I

ao rubens da cunha
agminis

há muito caminho por essas paragens. tateei o abandono. fiz da ventura sopro e desatino. nomeei os filhos que não tive. ensinei-os a sonhar os sonhos que não soube. mas apunhalaram-me as costas, meus filhos. desejaram-me morto, ossos e pó. auscultaram-me o coração, buscando dos meus sentires o controle. quanta blasfêmia! como ousaram? ao entardecer chamei-os à morada dos justos, onde a loucura entrecruza as mãos e o céu parece oco, resignado pela imensidão azul. sê prudente, disse ao primeiro. ao segundo murmurei cirandas, restos de uma infância envelhecida que lhe carcome as pálpebras. fiz-me labirinto com as virtudes que vocês não conseguiram suportar, escutaram os demais. sou quem sonambula misérias alheias ao tempo. de migalhas faço meu pão. de assombros, a saliva e o verbo. tolos! pensaram vocês que eu ruiria porque atraiçoado? caída a noite o medo se alarga, infestando de leitos o despertar da felicidade. como sairão daqui? amedrontados feito cães, fugiram aos bandos. sei que acenderão velas ao que desconhecem. as súplicas que deixaram para trás, carregarei comigo até livrar-me do outono. há noite sobrevinda em mim. anjos guardarão meu nome.

segunda-feira, setembro 15, 2008

"prelúdio ao homem de palha". (não-livro) tomo I


obscurum est



- há traidores entre os que ficam.

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- estendo-lhes a mão, num gesto apiedado?

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- têm medo, escuta-os.

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- caída a noite, definham agarrados aos sonhos que não possuem. trazem na boca o sopro da desventura e em seus ossos crescem larvas pegajosas, arrodeadas pelo desamparo.

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- dissésseis seus nomes e já teriam partido?

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- anciãos, aqui chegaram e aqui ficarão até a morte. pios, sussurram antigas preces.

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- arranco-lhes os olhos?

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- deixa-os, a fé lhes rapinará o arrependimento.

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- sê clemente.

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- erguerei pontes entre falsos céus. penetrarei-me do verbo. selarei-lhes o próximo alvorecer.

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- anjos anunciarão teu nome.

segunda-feira, setembro 08, 2008

"prelúdio ao homem de palha". (não-livro) tomo I


hymn


girassóis adoecem em minhas entranhas, eu disse, enquanto dava-lhes as costas como se fosse possível esquecer quem são. míseros, como ousam julgar meus atos? sabem vocês a crueza das palavras a roer meu crânio? restos de esperança espumaram em minha boca, mas vocês aqui não estavam quando os chamei pelo nome. condeno-lhes a rastejar, então. porque há cores que escapam ao envelhecer e disso vocês não sabem. porque há desertos invioláveis sob meus pés e isso vocês não suportam. porque na terceira manhã pari-me imune à paz interior e por isso vocês padecem. devolvo aos que ficam as memórias. roubo-lhes a vigília. esmorece o céu. anjos venerarão meu nome.