segunda-feira, maio 28, 2007


chuva e sede

CHUVA E SEDE

homens incrédulos, aproximai-vos
eis a sagração do rio

é dia de nascer
e morrer

segunda-feira, maio 21, 2007


o céu
já não alcança a encosta do mar,
murmurou o ancião dos ombros caídos,
ao afastar-se da multidão assombrada
daquela cidade cravada no meio do nada.

(veio tempestade,
prenúncio de centenas de línguas partidas pelo ódio
e inundadas pela fome das palavras-ruídos
que aos homens desfeitos sob a imagem de anjos,
imprimiu a marca irrevogável do medo)


o céu
já não comporta tanta miséria,
gritou o menino rabiscador de auroras,
ao correr entre a multidão desatenta
daquela cidade sepultada no meio do nada.

(veio pôr-do-sol,
epitáfio da felicidade encarcerada pelo rancor
e paralisada pela carência das cores-paisagens
que aos homens forjados sob a imagem de deus,
transfigurou os menores sinais de esperança)

segunda-feira, maio 14, 2007


acolhendo-se,
espera outro instante
sobre o qual debruçar
desta vez, sem falhas
e no acumular de gestos,
a vida em soluços
irromperá lucidez

silenciar seria recomeço

ei-lo,
vide suas mãos
escassas paragens ao léu
como dantes, inventadas
e no perfilar de sonhos
a melancolia em profusão
sagrará insensatez

escapar seria destino

terça-feira, maio 08, 2007


a paisagem
equaciona
mínimas andanças

e pássaros
tristemente
emudecidos

esperançamos
(todos)
o nascer do sol

terça-feira, maio 01, 2007

da série silêncios


SILÊNCIO DOIS

Algumas vezes, antes de beijar a mim e ao meu irmão na testa e dizer “boa-noite, durmam com Deus”, mamãe era visitada por outros silêncios. Silêncios que não lhe pertenciam, mas que chegavam mesmo assim. Curtos, como se indevidos. Vorazes, como se malvados. Tinham o rosto pálido e olhos isentos de cor, dedos magros e alongados.ao aproximarem-se de nós, abriam a própria boca para mostrar que por dentro de si não havia nada – fugia-lhes até mesmo o vazio. Eu podia sentir uma agonia desesperadora a invadir a alma da nossa mãe, que lutava querendo a todo custo levá-los embora dali e desta maneira, nos proteger. Mas eles ficavam, sabiam-na doente e que em breve não mais resistiria. Assim, munidos pela coragem perversa dos que espalham sofreguidão aos quatro ventos, percorriam lentamente os cômodos da casa, passando-nos os sonhos em revista, sorrindo seus dentes estragados a anteverem o sabor da tristeza. Outros eram aqueles silêncios, a nos roubarem a mamãe, dia após dia, por dois longos anos, comprimindo a esperança e trancando as sobras da vida em gavetas despovoadas de sol, de felicidade e de amanhãs.