domingo, outubro 29, 2006


bendito seja
pelas tuas mãos caridosas
pelos teus filhos abençoados
pela fé que de ti emana
pelas promessas que alimentas
pela benevolência daqueles que te cercam


benedictus qui venit
sanctus, sanctus, sanctus
dominus deus



tua luz esteve a guiar-me?
teu perdão me quis ajoelhado?
era a tua voz martelando meus pesadelos?
quando adoeci você esteve ao meu lado?


gloria in excelsis deo
gloria in excelsis deo
gloria in excelsis deo




a casa está vazia
as roupas foram deixadas para trás
carcomidas as verdades restou o tempo
passageiro febril coberto de vermes
o frio a esperar o teu nome


pleni sunt coeli et terra
gloria tua


pai,
antes que amanheça
tropeço no meu acaso
desajunto meus acertos
confesso meus demônios
e cuspo no teu rosto
selando meu fim




credo in unun deum
patrem omnipotentem

sexta-feira, outubro 27, 2006


a cada dia passado
adiantávamos o fim
ou não éramos
jovens demais
às marcas do tempo
em nossa pele
buscando refúgio e ilusão?

segunda-feira, outubro 23, 2006


deus
suas entranhas escondem
um louco enfezado
arrastando pesados grilhões
trancafiando anjos insones
costurando em nossas bocas
preces encardidas
para todo o sempre
maldito seja
amém

sexta-feira, outubro 20, 2006


* DOR ESQUADRINHADA
(EM TRÊS LÂMINAS)

LÂMINA UM

viver
sem trazer chuva
arco-íris
abelhas
sol e
árvores
tocando o entardecer
a mim parecia impossível
- seria como sonhar em voz alta
não voar com os passarinhos do quintal
acordar sem espreguiçar
ou calar na garganta as cores
ilustradoras do eu-menino -

LÂMINA DOIS

assim era a infância
no meu mundo secreto
riscado em giz de cera
que me era infinito
feito de cirandas
de magias e de mistérios
como estrelas engolindo o mar
e parindo um céu novo a cada dia
(BRETON)

LÂMINA TRÊS
mas chegou o amanhã
e tinha gosto de nada
deixando em nossas mãos
um destino rabugento
vigilante de memórias
empoeiradas e distantes
caladas e baldias
para que a vida seguisse seu rumo
(eles disseram)
para que o homem seguisse sem vida
(eles sabiam)
feito bicho acuado
num canto de quarto
fingindo poesia


*do livro artesanal "infância(rabiscos em tons de silêncio)",
com 22 poesias
escritas pra menina que eu amo, numa única madrugada.

terça-feira, outubro 17, 2006


ausente
neste outubro de mim mesmo
finjo o cinza-eclipse
visto pela última vez
trancafiado numa estrela
daquele céu acolá

quinta-feira, outubro 12, 2006


chega o poeta, de pé
já não se nutre das memórias
e percorre com lucidez
os vestígios de si mesmo
milimetricamente sufocados
(a dor ficou enterrada no tempo)

entregue ao fingir, árido
dispersou sem dó as cantigas
que um dia sua mãe lhe ensinara
trancando-se nas cores vazias
daquela envelhecida caixa de lápis
(a vida ficou de todo alijada)

refeito em disfarces, são
regressou à primavera
alimentado apenas pelos restos
dum hoje que sobrevive em seus ossos
covarde, frio e limpo demais
(o amor soube-se exemplarmente amputado)

sexta-feira, outubro 06, 2006



pra ti,
antes que a vida
nos interrompa...


(porque eu te odeio, mesmo não te amar sendo-me impossível;
porque a certeza tua de que a mim sobreviverás mastiga meus ossos
e cospe a fragilidade de estar vivo direto no meu rosto;
porque continuarás sorrindo quando eu não mais estiver aqui;
porque até o último instante que me restar eu serei teu,
mesmo que você já nem mais saiba da cor dos meus olhos
ou da fúria de deus, que um dia eu roubei pra que nós pudéssemos sonhar
)





nesta insônia que não termina, fujo do amor que fizera amputado
(estou num quarto vazio, debruçado sobre as lembranças que pude alcançar)

a ausência tua cutuca a insegurança de mim faminta
(você disse que jamais seria mulher de um homem só – lasciva)

sóbrio e incansável, examino-me nos traços teus que nos meus olhos ficaram
(encontro um esboço de gente ridiculamente medroso, a choramingar – lasso)

ecoa pelas entranhas a tua voz sussurrando que seríamos intensos e breves
(soca-me o rosto o que é derradeiro: você nunca mentiu; eu é que não quis acreditar)