quarta-feira, outubro 27, 2004

A noite. Tuas escassas e maltrapilhas benevolências. Teu olhar emparedado nas esquinas pouco iluminadas. As mãos hábeis em esculpir solitude. Os planos insanos rechaçados em pleno vôo. A débil circulação sanguínea. Os ossos descalcificados. O sorriso que a boca esqueceu. A pele ressecada. As unhas sujas. O maldito cheiro desse corpo envelhecido. A vontade desesperadora de ser deus. E fugir daqui. E fugir daqui...
A solidão... Quando as paredes do quarto ganham outras formas e texturas. E as cores parecem mais distantes. Quando a alma tateia a superfície do medo. E o peso de cada momento redobra. Mesmo a chuva, que lá fora varre esqueléticas lembranças, como os pulsos, que recorrem ao meu estranho paladar, inúteis são. Neste agônico lamento, a crueza do abandono resvala nas horas. A dormência dos indigentes infesta os sonhos. Caem sobre meus ombros o que restou das recordações. [Povoada por sons, a melancolia que há nos sóis poentes avermelha a sanidade que em mim persiste.] Um lampejo e sou deus. Um aceno e desfaço ilusões. Um segundo a mais e seria poesia.

27, tarde.

Estes momentos. As horas feitas de nada. O silêncio cadavérico. Exemplar. O medo exposto nas moedas de prata. O peso centrado nas vértebras. Homem de poucos dizeres. Olhares. Incoerência medular. Incapaz de ser menos, inventa. As dores. Os tropeços. A boca vomitando virtudes. Faz o menino empalidecer. Enquadra o pôr-do-sol. É hora das estrelas cadentes.

segunda-feira, outubro 18, 2004

Domingo. Belém. Tanto faz a hora. Impaciência espremida. Imagens cálidas. Uma certa indiferença. Olhos cansados e inquietos. Tenho 6 livros sobre a cama, uma porrada de cds. A porta do quarto, aberta. O calor e a umidade desta cidade. Saudade do que não sei. Do que sei. Do que quero. Daquilo que me falta preencher. E transbordar. Pelo canto da boca. Na raiz da alma. No centro dos nervos. Paixão.

Coisas que chegam com a madrugada: sonhos desolados respingando esperança. O silêncio das mãos desenhando horizontes. Os olhos pálidos fixando a solidão. As maledicências da alma. Os destemperos do corpo suado. A dor. Tudo o que foi esquecido, mas voltou. As sobras do amor...carcomidas...cianóticas...largadas no chão de taco corrido.

terça-feira, outubro 12, 2004

O corpo dói. Revirou as prateleiras procurando por um estímulo qualquer. Inquietou-se. Percebeu que estava sozinho. Fazia calor. Belém é assim, mesmo de madrugada. Calor! Inventou sons, na tentativa de liberta-los da memória. O som da chuva nas tardes poentes. Das cigarras. Do mato crescendo no jardim. Do calor materno. O som da saudade. A saudade ardendo no peito. A saudade arranhando a alma. A saudade feita de sons que não partem jamais.

quinta-feira, outubro 07, 2004


Quando a madrugada ecoa nossos corpos nus
E o suor nos marca a alma crua.

Quando o silêncio que arde em nossos olhares
Confundir-se à fragilidade precisa dos nossos desejos.

Quando nossas mãos

Bocas
Pêlos
Gemidos
Segredos
Pecados
Delírios

Consumirem o destino
Estancarem nossas dores
Deserdarem a tristeza
Celebrarem o torpor.

Nem as estrelas cadentes
Ou a insensatez da aurora
Poderão nos roubar

Daquilo que nos cabe
Transborda
Alimenta
Nos faz abismo
Nosso amor
Sublunar

quarta-feira, outubro 06, 2004

Hoje, nada de silêncio ou da distância arranhando a pele. Não quero as marcas do teu abandono ou a exatidão do teu pesar. Não preciso da indiferença ou do pálido sorriso que teus olhos um dia souberam espelhar. Acalento meus sonhos no cheiro pertencente às memórias. Desfaço o nó que me esmigalha o peito. Hoje, a madrugada será breve. Vou afundar minhas virtudes. Amanhecer...